segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Trabalho imaterial e capital

Ultimamente, tenho tentado compreender um novo assunto que traz consigo muitas reflexões. Devido à minha recente iniciação, as reflexões acabam sendo excessivas e não é difícil haver o predomínio da dúvida. No entanto, o meu esforço tende a ser maior, e por isso quero compartilhar aqui alguns pensamentos acerca do trabalho imaterial.
O meu interesse partiu de um texto de Moishe Postone intitulado Repensando a crítica de Marx ao Capitalismo; outro de Maurizio Lazaratto e Antonio Negri chamado Trabalho Imaterial; e um terceiro de uma obra de André Gorz, O Imaterial - este último tendo chamado mais a minha atenção.
De modo geral, o trabalho imaterial pode ser concebido como algo que diz respeito não à mercadoria, ao produto em si, mas ao tipo de trabalho utilizado e presente em sua produção, que nesse caso está intimamente relacionado ao seu conteúdo informativo e cultural.
Para esclarecer um pouco mais, voltarei em Marx. Já é consenso que o valor atribuído a qualquer mercadoria tem sua base no tempo de trabalho dispendido na produção da mesma. Porém, nos Grundrisse, é revelada uma tendência a uma nova configuração do trabalho que deve surgir num momento significativo e específico do capitalismo (cujos estudiosos da atualidade apontam este momento sendo o fim dos anos 60 e o começo dos 70). Marx alega que o modo de produção capitalista tende para um momento em que o tempo de trabalho humano deixará de ser o elemento fundamental na produção da riqueza, isto é, o valor de qualquer coisa não deverá mais ser medido através do tempo e quantia de trabalho empregados, mas sim de outros elementos.¹ E é aí que o trabalho imaterial se faz presente.
Um dos pilares de sustentação desta nova configuração do trabalho reside na afirmação de que, na sociedade em que vivemos, uma das principais e mais notórias forças produtivas é o conhecimento. Assim, torna-se válido repensar a legitimidade das categorias econômicas clássicas, como trabalho, valor e capital. Estou dizendo isso porque se concordarmos com esses autores, podemos afirmar que estamos atravessando um período em que modos de produção coexistem. Gorz, por exemplo, afirma ser um capitalismo pós-moderno centrado na valorização de um capital dito imaterial, pois o trabalho em sua forma imediata, mensurável e quantificável, é substituído pelo conhecimento, agora como força produtiva essencial. E se isso realmente for verdade, ou seja, se o conhecimento tiver chegado neste nível de poder, também é válido afirmar que o capital está centrado, portanto, na inteligência, na imaginação e no saber que, juntos, constituem o capital imaterial. Mais que isso: o capital agora é um capital humano. A riqueza é gerada a partir da subjetividade e não de atividades objetivas.
Deste modo, o perfil do trabalhador também é modificado. Novas qualificações são prezadas, como flexibilidade, desenvolvimento de tarefas múltiplas, criatividade, iniciativa, colaboração, cooperação e capacidade de fazer escolhas. Não se trata de qualificações subjetivas e que já possuem impacto na contratação de trabalhadores? Podemos mencionar como exemplo a seleção por dinâmica de grupos, cada vez mais frequentes. Aparentemente, parece-me uma forma muito sutil de manifestação de um novo tipo de parâmetro pelo qual se avalia a capacidade do trabalhador e do próprio trabalho.
Isto denuncia a seriedade do problema. O ser humano produz a si mesmo; esta é uma dimensão necessária de todo e qualquer trabalho imaterial. Este, por sua vez, recorre às mesmas competências, habilidades e disposições que o indivíduo possui em suas atividades livres, fora do trabalho, não sendo mais possível identificar os tempos da vida. Eles se misturam; a esfera do ócio, do lazer, da (im)produtividade, é confundida com a esfera do trabalho. Inclusive, os filósofos Muriel Combes e Bernard Aspe alegam que a economia do imaterial seria uma nova forma de servidão voluntária. Com receio de investir sua própria dignidade numa atividade indigna, o trabalhador do imaterial que se dá conta de tal gravidade está propenso a provar que vale mais do que realiza profissionalmente, e empreenderá sua dignidade nas atividades fora do trabalho, num exercício gratuito, dentro de suas capacidades: "jornalistas que escrevem livros, gráficos do meio publicitário que criam obras de arte, programadores de computadores que demonstram suas habilidades como hackers e como desenvolvedores de programas livres, etc., são muitas as maneiras de salvar sua honra e 'sua alma'".
Mas o processo não termina aí. Como os tempos da vida se confundem e a fronteira que os separa não existe mais, a própria vida se torna o capital mais precioso, literalmente um show business. Não porque as habilidades são as mesmas em qualquer esfera, mas, como pressupõe André Gorz, "porque o tempo da vida se reduz  inteiramente sob a influência do cálculo econômico e do valor".
Se este raciocínio é minimamente coerente, não é necessário muito esforço para compreender a tese de que tudo é mercadoria (aliás, uma tese que já tenho defendido há um certo tempo, desde quando comecei a me aprofundar no assunto para o meu trabalho de conclusão de curso, e que agora tenho encontrado em outros críticos que trabalham com outras temáticas). A venda do si se desenrola e se desenvolve em todas as circunstâncias da vida. Como a vida se tornou capital, todas as atividades realizadas possuem sua dimensão mercadológica. Pierre Lévy é outro adepto desta tese, e sustenta seu pensamento ao afirmar que "sexualidade, casamento, procriação, saúde, beleza, identidade, conhecimentos, relações, ideias..., nós estaremos constantemente ocupados em fazer toda espécie de negócios... A pessoa torna-se uma empresa".  Os indivíduos, então, empregam seu tempo a se venderem uns aos outros.
Pretendo estender esta reflexão para a esfera do consumo, que particularmente considero como essencial.

Nota:
1 - Uma consideração é importante. Com esta afirmação nos Grundrisse, será que Marx não estaria questionando seu próprio núcleo de pensamento contido em sua obra célebre, O Capital, referente à teoria do valor-trabalho?

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