São dois os fatos que resumem esse combate no Rio de Janeiro: a ausência de uma política abrangente de combate ao tráfico e a desordem da sociedade da favela – não que este último seja uma espécie de preconceito, pois eu darei as devidas explicações.
As cenas não são inéditas na “Cidade Maravilhosa” e se repetem desde a década de 1990: vários dias de luta armada, veículos incendiados, cidadãos mortos, além dos feridos, das vítimas inocentes e de outros sendo presos. No entanto, por mais que estejamos acostumados às imagens de violência transmitidas pela mídia diariamente, é importante deixar claro que esses crimes não são comuns tendo em vista alguns fatores.
Primeiro, quando se fala em crime, associa-se facilmente a assaltos, roubos, agressões, assassinatos e, como afirma o sociólogo Zé Martins, ao sujeito socialmente destrutivo. Mas esse não é o caso do Rio, não é a mesma coisa que o ato de repressão à criminalidade que, esta sim, é relativamente organizada, detentora – não de forma legítima e institucional – de um território e, acima de tudo, é bem armada e ubíqua. Isso nos mostra que a concepção de combate ao crime, ao inimigo, está obsoleta e os últimos acontecimentos, por sua vez, refletem a veracidade da afirmação que acabou de ser feita.
Segundo, o território do Alemão há muito tempo está sob a tutela de um regime paralelo ao do Estado, com administração, economia, justiça e forças militares próprias, resistentes ao enquadramento, às leis do Estado. Isso faz com que não estejamos diante de um crime comum. O tráfico de drogas gerenciado pelos grupos armados anuncia uma independência tanto política quanto territorial das favelas do Rio de Janeiro. O tráfico, a peste do complexo, não só está a serviço da potência estrangeira, mas também representa uma ameaça à segurança nacional, ao futuro do cidadão e habitante do local, à formação da identidade e noção de pertencimento, aquela que nos revela a condição de povo brasileiro, sem contar que ele condena, sem clemência, o indivíduo a ser ninguém.
“Se não houver uma política coerente e de conjunto que desvende e desmantele as conexões entre o usuário de drogas e o produtor, o fornecedor e o distribuidor, em poucos dias as ligações criminosas se restabelecerão”, afirma Zé Martins.
De fato, é necessária uma política abrangente de combate ao tráfico. Caso contrário, haverá apenas um intervalo até presenciarmos essas demonstrações criminosas. Agora, face à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos, a preocupação reside, sinceramente, na intervenção militar e ocupação dos morros cariocas a fim de garantir segurança aos visitantes e estrangeiros, quer dizer, dos que estão de passagem, e não dos que se encontram diariamente lá, os nativos. Estes ainda estarão submetidos à sedução do tráfico e às balas perdidas, mal sabendo se no dia seguinte estarão vivos e, caso estiverem, continuarão a trabalhar normalmente, sem saber se voltarão ao campo de batalha. Esta é a desordem da sociedade da favela, produtora da cultura do medo, da ameaça constante, da ausência de esperança, da dúvida, da incerteza. Como construir uma sociedade baseada nesses “valores” e não cair no conformismo? Difícil e, acima de tudo, inaceitável.