domingo, 28 de novembro de 2010

A Cidade Maravilhosa e o seu lado nada maravilhoso


São dois os fatos que resumem esse combate no Rio de Janeiro: a ausência de uma política abrangente de combate ao tráfico e a desordem da sociedade da favela – não que este último seja uma espécie de preconceito, pois eu darei as devidas explicações.
As cenas não são inéditas na “Cidade Maravilhosa” e se repetem desde a década de 1990: vários dias de luta armada, veículos incendiados, cidadãos mortos, além dos feridos, das vítimas inocentes e de outros sendo presos. No entanto, por mais que estejamos acostumados às imagens de violência transmitidas pela mídia diariamente, é importante deixar claro que esses crimes não são comuns tendo em vista alguns fatores.
Primeiro, quando se fala em crime, associa-se facilmente a assaltos, roubos, agressões, assassinatos e, como afirma o sociólogo Zé Martins, ao sujeito socialmente destrutivo. Mas esse não é o caso do Rio, não é a mesma coisa que o ato de repressão à criminalidade que, esta sim, é relativamente organizada, detentora – não de forma legítima e institucional – de um território e, acima de tudo, é bem armada e ubíqua. Isso nos mostra que a concepção de combate ao crime, ao inimigo, está obsoleta e os últimos acontecimentos, por sua vez, refletem a veracidade da afirmação que acabou de ser feita.
Segundo, o território do Alemão há muito tempo está sob a tutela de um regime paralelo ao do Estado, com administração, economia, justiça e forças militares próprias, resistentes ao enquadramento, às leis do Estado. Isso faz com que não estejamos diante de um crime comum. O tráfico de drogas gerenciado pelos grupos armados anuncia uma independência tanto política quanto territorial das favelas do Rio de Janeiro. O tráfico, a peste do complexo, não só está a serviço da potência estrangeira, mas também representa uma ameaça à segurança nacional, ao futuro do cidadão e habitante do local, à formação da identidade e noção de pertencimento, aquela que nos revela a condição de povo brasileiro, sem contar que ele condena, sem clemência, o indivíduo a ser ninguém.
“Se não houver uma política coerente e de conjunto que desvende e desmantele as conexões entre o usuário de drogas e o produtor, o fornecedor e o distribuidor, em poucos dias as ligações criminosas se restabelecerão”, afirma Zé Martins.
De fato, é necessária uma política abrangente de combate ao tráfico. Caso contrário, haverá apenas um intervalo até presenciarmos essas demonstrações criminosas. Agora, face à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos, a preocupação reside, sinceramente, na intervenção militar e ocupação dos morros cariocas a fim de garantir segurança aos visitantes e estrangeiros, quer dizer, dos que estão de passagem, e não dos que se encontram diariamente lá, os nativos. Estes ainda estarão submetidos à sedução do tráfico e às balas perdidas, mal sabendo se no dia seguinte estarão vivos e, caso estiverem, continuarão a trabalhar normalmente, sem saber se voltarão ao campo de batalha. Esta é a desordem da sociedade da favela, produtora da cultura do medo, da ameaça constante, da ausência de esperança, da dúvida, da incerteza. Como construir uma sociedade baseada nesses “valores” e não cair no conformismo? Difícil e, acima de tudo, inaceitável.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Enquanto isso, na Cidade Maravilhosa...

El Ámbito - Argentina

El Ámbito - Argentina

El Mercurio - Chile


El Mercurio - Chile


Le Monde - França


Le Monde - França

New York Times - EUA
 
Eel Mundo - Espanha

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A oportunidade que faltava

Este ano tive a oportunidade de me deparar com uma realidade da qual, sinceramente, eu não faço parte. Estive envolvida num projeto de uma escola municipal da minha cidade e, por motivos pessoais, hoje foi dado o aviso à direção de que não poderei continuar. Um choque, como era de se esperar. 
Durante os dias que trabalhei lá, várias vezes me encontrei com o psicológico totalmente modificado: gritos, brigas, violência verbal, polícia, histórias ligadas diretamente ao tráfico. Não se trata apenas de uma escola, mas de uma região da cidade que apresenta diversos problemas relacionados à carência, à educação e à estrutura social. Para quem não está acostumado a se defrontar com esta realidade, fica séria e realmente abatido, quando não preocupado. 
O projeto, no entanto, vingou. Uma simples oficina de jornal que atraiu poucas pessoas desde o início e que apenas colocaram seus textos e imagens no mural da escola, com poucas chances de reconhecimento pelos demais alunos, terão, dentro de uma semana, suas produções estampadas na cidade, na Secretaria de Educação, na Prefeitura, na comunidade, na própria escola. Esta é a prova de que o empenho daqueles que persistiram apesar de todas as dificuldades técnicas (sim, o projeto foi falho em muitas ocasiões) serão reconhecidos publicamente.
O contexto em que os estudantes e moradores da região estão inseridos não é dos mais fáceis. Porém, não só no projeto que fiquei encarregada de gerar - e que agora alguém dará continuidade - mas em todos os outros projetos foi possível perceber que há talentos, habilidades e conhecimento sobrando em alguns alunos, e que por um infortúnio do sistema capitalista estavam adormecidos e lhes faltou oportunidade de expressá-los. A esperança que eu tenho é a de que eles consigam o que estão desejando, porque já lhes roubaram muitas coisas em suas vidas, mas não os seus desejos e sonhos para o futuro. Estando de fato com eles, aprendi que mereciam oportunidades que muitos indivíduos de outras camadas sociais possuem ou têm acesso e não sabem aproveitar e não lhes dão o devido valor.
Não querendo deixar o meu lado poético em forma eclíptica, há uma música que define muito bem esses jovens que, apesar de terem um futuro incerto, são dignos, humildes e formadores de opinião:

Os que moram do outro lado do muro
Nunca vão saber o que se passa no subúrbio
Eles te consideram um plebeu repugnante
Eles te chamam de garoto podre.

Se está desempregado,
Te chamam de vagabundo.
Se fizer greve,
Te chamam de subversivo.
Mas se arrumar emprego,
Não lhe dão dignidade
Apesar do sujo macacão e do rosto suado. 
(Garotos Podres - Garoto Podre)

sábado, 13 de novembro de 2010

O pequeno blog

Nesses últimos dias pensei o que iria acontecer se por ventura eu fosse o Pequeno Príncipe e este blog, a raposa. Ela certamente diria:
- Lembra do que eu te disse, Pequeno Príncipe? Tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas. Tu cuidaste das tuas mil coisas, mas esqueceste de me alimentar.
Aí, como o princepezinho sempre fez, abaixaria a cabeça, pensaria um pouco e repetiria todas as palavras da raposa.
Não tenho nada contra este grande clássico e creio que ele ensina muito mais que diversos livros por aí que dizemos ser de "gente grande", mas o fato é que reconheço ter desandado minimamente com o andamento do blog.
E quando isso acontece, fico plenamente convencida de que valeu muito a pena ter me dedicado o ano todo estudando nossa relação com o tempo, com a vida e com o convívio com o outro. Assim como a maioria, eu sou "contemplada" praticamente todos os dias com o tempo do trabalho, e é muito comum não sobrar tempo para tudo que se tem vontade - estar neste blog, inclusive - porque a verdade é que o tempo do trabalho se mistura com o nosso tempo social, aquele que temos para descansar, ler, ouvir música, praticar um exercício físico, viajar, cuidar dos filhos e do cachorro, pintar as unhas, namorar, tomar sorvete, ir ao mercado, passear no shopping, regar o jardim, limpar a casa toda.
Quem depende do tempo do trabalho precisa abdicar e renunciar muitas coisas na vida, nem sempre por causa de dinheiro, mas muitas vezes por uma questão de tempo: como realizar todas as atividades mencionadas anteriormente, por exemplo, num espaço muito curto de tempo? Ah sim, com certeza virá um consultor de alguma coisa dizendo que "tudo é questão de planejamento". Não é. (Viver uma vida inteira planejada, sem surpresas, decepções e com uma rotina perpétua não é nem um pouco motivante). Só é necessário ter consciência de que não sobra tempo para fazer tudo o que se gostaria de fazer e que existe uma lógica imposta negativamente sobre o ócio; as pessoas devem fazer tudo o que querem e não devem medir esforços para fazer qualquer coisa que se tenha vontade. O importante é também não ficar perdendo tempo, ficando parado e ver a vida passar como quem senta ao lado da janela de um trem que está rumando ninguém sabe para onde. 
Uma vida tumultuada? Também não quero. Por isso que tenho insistido e pensado constantemente na melhor forma de usufruir o tempo, ainda que seja perdê-lo. Por que é necessário estar sempre cheio de ocupações? Por que não se pode parar um pouco, mesmo que o tempo não páre? Como uma amiga já me disse uma vez, precisamos aprender a perder tempo. Ele é o tecido de nossa vida.