quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Brasil: um país desigual. Até no futebol?!

Já escrevi neste blog que o Brasil é o país do futebol. A pretensão desta vez é falar de novo sobre o esporte mais praticado no país, mas com alguns questionamentos que surgiram depois de ler um artigo do antropólogo Marcos Altivo referente à elitização do futebol e sua suposta modernização, e que vou aproveitar para falar de obras de estádios pelo Brasil afora, que trazem consigo a expulsão (já nem se pode falar em exclusão) de torcedores pobres e outros aspectos para serem refletidos.
Para a Copa de 2014, estão previstos vários projetos de reformas nas cidades-sedes escolhidas. No site O Portal (clique aqui) é possível conferir como tendem a ficar os estádios que vão sediar os jogos do evento. Para se ter uma ideia, veja as estimativas que custarão aos cidadãos (inclui obras internas e nos arredores dos estádios):

Estádio Vivaldo Lima (Manaus): R$ 500 milhões.
Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi (São Paulo): R$ 180 milhões.
Estádio Governador Plácido Castelo (Fortaleza): R$ 300 milhões.
Estádio José Pinheiro Borda (Porto Alegre): R$ 150 milhões.
Estádio Mané Garrincha (Brasília): R$ 522 milhões.
Estádio Jornalista Mário Filho, o Maracanã (Rio de Janeiro): R$ 460 milhões.
Estádio Governador José Fragelli (Cuiabá): R$ 350 milhões.
Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão (Belo Horizonte): não divulgado.
Estádio Arena das Dunas (Natal): R$ 300 milhões.
Estádio Otávio Mangabeira (Salvador): R$ 231 milhões.
Estádio Arena da Baixada (Curitiba): R$ 140 milhões.
Estádio Cidade da Copa (Recife): R$ 1,6 bilhão (inclui construção de estádio, conjunto habitacional, centro comercial e hotel).

Com essas mudanças, não restam muitas dúvidas. Na própria feira internacional de negócios no futebol, a Soccerex - ocorrida em novembro no Rio de Janeiro - vários "especialistas" comentaram sobre a elitização do futebol (estes, claro, mostrando-se favoráveis), ficando em segundo plano o acesso das classes B e C, haja vista que aqueles que apresentam condições estruturais e financeiras ainda mais dramáticas há muito não sabem o que é sentar numa arquibancada.
Um dos fatores para se atingir tal nível de elitização e privilegiar a high society consiste no aumento do preço do ingresso: "Em Santa Catarina, o Avaí aumentou em 50% o preço dos ingressos neste ano, passando de R$ 40 para R$ 60. No Paraná, o recém-promovido Coritiba já anunciou que aqueles que não aderirem a seu plano de sócio torcedor terão que desembolsar R$ 100 pelo ingresso avulso. Não é de se admirar que a média de público do campeonato brasileiro em 2010 tenha sido ridiculamente baixa: 14.839 pagantes. Isso é menos que a média do campeonato alemão de segunda divisão", afirmou Marcos Altivo.
Além dos preços quase astronômicos para grande parte da população brasileira, o futebol virou espetáculo midiático atrelado a outro espetáculo, que é o publicitário.  Assim, uma rede de televisão (nem preciso dizer qual) que consegue monopolizar todo um campeonato e suas transmissões ao vivo consegue ter lucros exorbitantes, inclusive através do sistema "pay-per-view". Explicando de outra forma, através da monopolização de transmissão de jogos, o torcedor incapacitado de ir ao estádio, seja pelo valor do ingresso ou mesmo pela distância, muitas vezes se vê obrigado a adquirir um canal pago da televisão caso queira acompanhar todos os jogos de seu time (a minha recusa, por exemplo, está no fato de acompanhar o placar via internet, mesmo que me falte a parte visual).
É importante não perder de vista que esse processo de expulsão dos torcedores menos favorecidos ocorre de forma consciente e planejada. "Ainda em 2004, o então presidente do Atlético Paranaense já afirmava que 'o clube não precisa mais de torcedores, e sim de apreciadores do espetáculo'. Dentro dessa filosofia, proibiu a entrada de torcedores com bandeiras, tambores, faixas e camisas de torcidas organizadas. Por baixo de uma nuvem midiática vendendo a ideia de que estaria ocorrendo uma modernização do futebol brasileiro, o dinheiro do cidadão pobre financia, via impostos, sua própria expulsão. É um processo de Robin Hood ao contrário...", alegou Altivo.
De fato, parece piada falar em modernização do futebol contemporâneo, a começar pela própria estrutura política das organizações dos clubes e da própria CBF, que mais parece arcaica, medieval, praticamente feudal.
Dentro da sessão "Feudos, cavaleiros medievais, senhores e servos" podemos citar também a manipulação da venda de ingressos, que sempre param nas mãos de cambistas e que omite a renda verdadeira do jogo através de um sistema repleto de obscuridades, mas que sempre se atenta a beneficiar empresas que fabricam os ingressos, isso para não falar nos bandidos de terno, ou cartolas corruptos, se assim preferir.
Ainda nesta sessão, a vigilânica, o policiamento e a punição se dão de que modo? Esta pergunta eu nem preciso responder; todos sabem como funciona desde sempre. Para notarmos como essas mudanças que estão ocorrendo no futebol brasileiro podem ser chamadas de modernas... Pensando bem, esta parte podemos colocar nas eras geológicas mais antigas.
Quando eu escrevi, na época da Copa do Mundo deste ano, que o Brasil é o país do futebol, disse o seguinte: "Que o Brasil é o país do futebol, não há dúvidas, apesar do esporte não ter surgido por aqui. Em qualquer lugar que se anda é possível encontrar um estabelecimento de futebol society, um gramado, uma quadra não muito bem estruturada ou até mesmo uma rua improvisada que sirva de campo, tendo ou não areia, asfalto ou grama. Enfim, treinando em clubes ou na rua perto de casa, por onde se passa, aqui tem futebol". Claro que é isso mesmo que presenciamos em quase todos os lugares que passamos ao longo da vida, mas já que o assunto é a suposta modernização do esporte, Altivo também afirmou que " a parte menos moderna é o sistema de formação de jogadores. Milhões de jovens brasileiros sonham ser jogador de futebol. Poucos vão se tornar profissionais e, entre estes, pouquíssimos vão ganhar os altos salários que povoam o imaginário das classes populares". Pois é. Quantos são iludidos com os sonhos e promessas de um futuro e vida mais dignos caso se tornem profissionais de bola? Ao menos um cada quarteirão da sua cidade, chutando baixo.
Infelizmente esta arte e cultura popular criada e mantida por muitas gerações chegou ao fim e se tornou elitista e perversa, principalmente porque está sendo financiada com dinheiro público, do povo, e beneficia poucos. Este é o primeiro mandamento do futebol-mercadoria: dai aos ricos o futebol.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Voltando ao projeto moderno

Se tem um período que eu adoro discutir é a Era moderna. Isso mesmo, aquela que todo mundo estuda um pouco na escola. Desde seus primórdios até os dias de hoje, estudar a modernidade e não discutir o processo de racionalização é missão impossível. Com isso, não estou dizendo que só existe uma vertente para realizar boas análises deste período, que seria pela racionalização, mas quero dizer que esta é um elemento de análise extremamente importante porque representa o espírito do contexto social, econômico, político e do próprio homem imerso nesse momento da história.
Se você procurar no dicionário o significado do verbo racionalizar, encontrará mais ou menos o seguinte significado, de forma concisa: tornar racional. E quando estudamos a modernidade, é possível perceber que ela necessariamente passou por um processo de racionalização; o projeto moderno elaborado (eu diria que até improvisado) pelo grupo que assumiu o poder nesse período - a burguesia - estava pautado na ordem, no desmanche de tudo que o homem já havia criado, inclusive as próprias instituições, para instaurar definitivamente uma nova ordem e uma nova sociedade. 
Weber pensou muito na questão da racionalidade instrumental como princípio operativo da civilização moderna, ou seja, no modo de realizar este processo de ordem. Dentro do conjunto de conceitos de ações da linha weberiana, este tipo de atitude ou ação da modernidade está classificada como uma ação racional com relação a um objetivo (em alemão Zweckrational), tendo em vista que os instrumentos utilizados para estabelecer tal ordem foram racionalizados, calculados e planejados.
Não creio que hoje seja possível afirmar que ainda vivemos na concretização deste projeto. Para os que já leram outras postagens, defendo a hipótese de que realmente muitas coisas fogem ao nosso controle. Isso, no entanto, não quer dizer que o objetivo nunca foi atingido. Muito ao contrário: quer um exemplo de ordem mais poderoso que o fordismo? Particularmente desconheço.
Justificando este post, quis escrever um pouco sobre a racionalização porque na última sexta-feira, ocorreu-me um fato insólito, que não pode ser considerado coincidência, haja vista o grau de seriedade que ele representa quando se fala em racionalização num mundo que se encontra em perfeito descontrole.
Numa cidade grande, com crescimento desordenado e trânsito caótico, como espécie de treinamento de paciência, parei no sinal vermelho. Ao meu lado direito, parou um ônibus, cujo motorista aparentemente muito tranquilo sacou um jornal, abriu-o e começou a ler. Após um intervalo de tempo, dobrou o pedaço de papel, guardou-o, engatou o veículo e o sinal se abriu. Tudo no tempo certo, num tempo também racionalizado. Não foi sorte, não foi acaso. Tudo estritamente calculado, talvez pelos anos de profissão. Este acontecimento me deixou muito excitada, considerando que eu moro numa cidade pequena e não se vê esse tipo de coisa em momento algum. Pode ser que alguém diga que isso é coisa de criança feliz: "é que você não está acostumada, porque isso acontece direto". Ok, mas o importante é que, acontecendo ou não com frequência, este fato me fez pensar que sempre estamos planejando tudo, calculando tudo o que pode ser feito num determinado tempo, para aproveitá-lo da melhor maneira possível, economizá-lo e fazer a vida render. A cena que presenciei pareceu uma viagem no tempo, uma volta à finalidade do projeto moderno.
E depois o homem diz que o que realmente vale a pena é andar para frente. Ah, o homem moderno é mesmo um ser fascinante e contraditório!

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Se o Jingle Bell não for suficiente

Gosto muito desta época natalina; acho que é porque as coisas tendem a ficar mais tranquilas e o meu espírito vai sossegando um pouco depois de mais um ano na loucura e na correria. Mas confesso que vejo este período como propício para a proliferação da hipocrisia. Afinal, todo mundo teve o ano inteiro para fazer boas ações, ir à missa e se sensibilizar com qualquer coisa, seja com a violência, com o meio ambiente, com o abandono, com a fome (e muitas que agora nem passam pela minha cabeça). É engraçado que todos resolvem, justo nessa época, abrir os corações e ficar mais solidário, mais pacífico, mais amável, mais educado. Este espírito contraditório do Natal realmente chega a me incomodar. Algo que deveria ser até um estilo de vida vira um espetáculo teatral como forma de remissão dos pecados. 
Enfim, tudo isso para dizer que para esta época do ano eu recomendo um álbum muito legal do Lynyrd Skynyrd, intitulado Christmas Time Again. Aqueles que me conhecem sabem o quanto o Rock é presente na minha vida. Claro que não poderia passar o fim de ano ouvindo "Noite Feliz" ou "Jingle Bell"; faltaria muita emoção. E em praticamente 36 minutos, a banda de southern rock deu um jeito de deixar meus Natais mais contagiantes. Uma excelente trilha sonora para qualquer pessoa. 


Christmas Time Again, do Lynyrd Skynyrd. Álbum lançado em 2000.

Quem desejar ouvir o álbum, pode fazer o download no Megaupload clicando aqui.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O poder do consumo em 30 segundos

Não poderia deixar de publicar alguma coisa a respeito de um e-mail que recebi recentemente. Diferente das piadinhas sexuais e agressões à política e ao governo Lula que estamos acostumados a receber em nossos e-mails, penso que este tende a ter uma circulação bem menor porque retrata a realidade de forma nua e não admitida pela maioria das pessoas.
O e-mail diz respeito ao comercial do Laptop da Xuxa e traz o depoimento de um pai publicado num jornal, cujo lamento está no fato de a filha querer desesperadamente o novo produto da estrela global porque sua felicidade parece depender do tal laptop.
Pois bem. Fui procurar o comercial e o que encontrei foi isso:


Cheio de efeitos visuais e super alegre, qualquer criança que assiste este comercial consegue ser convencida de que descer num arco-íris com um laptop da Xuxa é muito mais legal, divertido, interativo e até educativo que o papel e o lápis de colorir que, a meu ver, é uma combinação que ajuda a desenvolver a criatividade, o gosto pela arte e a expressão da nossa subjetividade. Notem que as meninas parecem até mais felizes quando estão com o laptop, a expressão facial é determinante para garantir que o produto é excelente.
Este comercial nos ensina que existe uma pedagogia do consumo ligada à publicidade infantil. Desde cedo as crianças começam a ter desejos consumistas porque a mídia perversa, os empresários e publicitários, todos perversos também, aproveitam-se da imaturidade e falta de discernimento de uma criança e inserem nela um mundo de fantasias que muitas vezes nem existe, mas que traz a promessa de felicidade. Assim como o trabalho deturpa os valores e a subjetividade dos homens, a marca do desejo é inscrita precocemente na infância e corrompe a subjetividade.
Quando vi este anúncio, lembrei de uma amiga que adora falar que a filha dela se parece com a Barbie, primeiro porque ela segue os padrões da boneca mais desejada do mundo. Segundo porque a garota está sendo educada desde cedo a ter esses objetos de Barbies e Xuxas que estão pelo mundo afora e que formarão sua identidade. Isso é extremamente perigoso.
Ninguém, a não ser os pais, podem educar as crianças para a vida. Com o espetáculo midiático não se pode contar, uma vez que o mesmo educa de forma poderosa para o consumo que, de fato, muitas vezes não é necessário e vital, não fosse a insistência de que ter o produto pode fazer o indivíduo feliz. Aqui no Brasil não se tem o cuidado com as programações infantis, as propagandas não são reguladas e criam a ilusão de que todos são livres para terem o que desejarem. Pura ilusão! Isso é tão verdade porque basta analisar o desejo e o desespero de crianças de famílias extremamente carentes¹, que estão igualmente expostas à invasiva, massiva, cruel e desumana publicidade infantil.
Fica a pergunta para refletirmos: O que se pode esperar de uma sociedade na qual interesses comerciais se sobrepõem aos cuidados básicos com a infância?

Notas:
1 - Fazendo uma analogia com o assunto, ontem li um comentário da antropóloga Mariana Cavalcanti sobre as casas dos traficantes da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão que possuem ar-condicionado, piscina e TV de plasma: "Não entendo a surpresa das pessoas com as banheiras de hidromassagem, as piscinas, as TVs, o quadro do artista pop juvenil na parede encontrados ali. Ora, são os valores da nossa sociedade, do capitalismo, que os tornam objetos de desejo. Os traficantes são socializados nessa cultura do consumo, como todos nós. A opção pelo tráfico se dá pelo status [...], mas se dá primordialmente pela possibilidade de ter bens de consumo".

domingo, 28 de novembro de 2010

A Cidade Maravilhosa e o seu lado nada maravilhoso


São dois os fatos que resumem esse combate no Rio de Janeiro: a ausência de uma política abrangente de combate ao tráfico e a desordem da sociedade da favela – não que este último seja uma espécie de preconceito, pois eu darei as devidas explicações.
As cenas não são inéditas na “Cidade Maravilhosa” e se repetem desde a década de 1990: vários dias de luta armada, veículos incendiados, cidadãos mortos, além dos feridos, das vítimas inocentes e de outros sendo presos. No entanto, por mais que estejamos acostumados às imagens de violência transmitidas pela mídia diariamente, é importante deixar claro que esses crimes não são comuns tendo em vista alguns fatores.
Primeiro, quando se fala em crime, associa-se facilmente a assaltos, roubos, agressões, assassinatos e, como afirma o sociólogo Zé Martins, ao sujeito socialmente destrutivo. Mas esse não é o caso do Rio, não é a mesma coisa que o ato de repressão à criminalidade que, esta sim, é relativamente organizada, detentora – não de forma legítima e institucional – de um território e, acima de tudo, é bem armada e ubíqua. Isso nos mostra que a concepção de combate ao crime, ao inimigo, está obsoleta e os últimos acontecimentos, por sua vez, refletem a veracidade da afirmação que acabou de ser feita.
Segundo, o território do Alemão há muito tempo está sob a tutela de um regime paralelo ao do Estado, com administração, economia, justiça e forças militares próprias, resistentes ao enquadramento, às leis do Estado. Isso faz com que não estejamos diante de um crime comum. O tráfico de drogas gerenciado pelos grupos armados anuncia uma independência tanto política quanto territorial das favelas do Rio de Janeiro. O tráfico, a peste do complexo, não só está a serviço da potência estrangeira, mas também representa uma ameaça à segurança nacional, ao futuro do cidadão e habitante do local, à formação da identidade e noção de pertencimento, aquela que nos revela a condição de povo brasileiro, sem contar que ele condena, sem clemência, o indivíduo a ser ninguém.
“Se não houver uma política coerente e de conjunto que desvende e desmantele as conexões entre o usuário de drogas e o produtor, o fornecedor e o distribuidor, em poucos dias as ligações criminosas se restabelecerão”, afirma Zé Martins.
De fato, é necessária uma política abrangente de combate ao tráfico. Caso contrário, haverá apenas um intervalo até presenciarmos essas demonstrações criminosas. Agora, face à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos, a preocupação reside, sinceramente, na intervenção militar e ocupação dos morros cariocas a fim de garantir segurança aos visitantes e estrangeiros, quer dizer, dos que estão de passagem, e não dos que se encontram diariamente lá, os nativos. Estes ainda estarão submetidos à sedução do tráfico e às balas perdidas, mal sabendo se no dia seguinte estarão vivos e, caso estiverem, continuarão a trabalhar normalmente, sem saber se voltarão ao campo de batalha. Esta é a desordem da sociedade da favela, produtora da cultura do medo, da ameaça constante, da ausência de esperança, da dúvida, da incerteza. Como construir uma sociedade baseada nesses “valores” e não cair no conformismo? Difícil e, acima de tudo, inaceitável.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Enquanto isso, na Cidade Maravilhosa...

El Ámbito - Argentina

El Ámbito - Argentina

El Mercurio - Chile


El Mercurio - Chile


Le Monde - França


Le Monde - França

New York Times - EUA
 
Eel Mundo - Espanha

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A oportunidade que faltava

Este ano tive a oportunidade de me deparar com uma realidade da qual, sinceramente, eu não faço parte. Estive envolvida num projeto de uma escola municipal da minha cidade e, por motivos pessoais, hoje foi dado o aviso à direção de que não poderei continuar. Um choque, como era de se esperar. 
Durante os dias que trabalhei lá, várias vezes me encontrei com o psicológico totalmente modificado: gritos, brigas, violência verbal, polícia, histórias ligadas diretamente ao tráfico. Não se trata apenas de uma escola, mas de uma região da cidade que apresenta diversos problemas relacionados à carência, à educação e à estrutura social. Para quem não está acostumado a se defrontar com esta realidade, fica séria e realmente abatido, quando não preocupado. 
O projeto, no entanto, vingou. Uma simples oficina de jornal que atraiu poucas pessoas desde o início e que apenas colocaram seus textos e imagens no mural da escola, com poucas chances de reconhecimento pelos demais alunos, terão, dentro de uma semana, suas produções estampadas na cidade, na Secretaria de Educação, na Prefeitura, na comunidade, na própria escola. Esta é a prova de que o empenho daqueles que persistiram apesar de todas as dificuldades técnicas (sim, o projeto foi falho em muitas ocasiões) serão reconhecidos publicamente.
O contexto em que os estudantes e moradores da região estão inseridos não é dos mais fáceis. Porém, não só no projeto que fiquei encarregada de gerar - e que agora alguém dará continuidade - mas em todos os outros projetos foi possível perceber que há talentos, habilidades e conhecimento sobrando em alguns alunos, e que por um infortúnio do sistema capitalista estavam adormecidos e lhes faltou oportunidade de expressá-los. A esperança que eu tenho é a de que eles consigam o que estão desejando, porque já lhes roubaram muitas coisas em suas vidas, mas não os seus desejos e sonhos para o futuro. Estando de fato com eles, aprendi que mereciam oportunidades que muitos indivíduos de outras camadas sociais possuem ou têm acesso e não sabem aproveitar e não lhes dão o devido valor.
Não querendo deixar o meu lado poético em forma eclíptica, há uma música que define muito bem esses jovens que, apesar de terem um futuro incerto, são dignos, humildes e formadores de opinião:

Os que moram do outro lado do muro
Nunca vão saber o que se passa no subúrbio
Eles te consideram um plebeu repugnante
Eles te chamam de garoto podre.

Se está desempregado,
Te chamam de vagabundo.
Se fizer greve,
Te chamam de subversivo.
Mas se arrumar emprego,
Não lhe dão dignidade
Apesar do sujo macacão e do rosto suado. 
(Garotos Podres - Garoto Podre)

sábado, 13 de novembro de 2010

O pequeno blog

Nesses últimos dias pensei o que iria acontecer se por ventura eu fosse o Pequeno Príncipe e este blog, a raposa. Ela certamente diria:
- Lembra do que eu te disse, Pequeno Príncipe? Tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas. Tu cuidaste das tuas mil coisas, mas esqueceste de me alimentar.
Aí, como o princepezinho sempre fez, abaixaria a cabeça, pensaria um pouco e repetiria todas as palavras da raposa.
Não tenho nada contra este grande clássico e creio que ele ensina muito mais que diversos livros por aí que dizemos ser de "gente grande", mas o fato é que reconheço ter desandado minimamente com o andamento do blog.
E quando isso acontece, fico plenamente convencida de que valeu muito a pena ter me dedicado o ano todo estudando nossa relação com o tempo, com a vida e com o convívio com o outro. Assim como a maioria, eu sou "contemplada" praticamente todos os dias com o tempo do trabalho, e é muito comum não sobrar tempo para tudo que se tem vontade - estar neste blog, inclusive - porque a verdade é que o tempo do trabalho se mistura com o nosso tempo social, aquele que temos para descansar, ler, ouvir música, praticar um exercício físico, viajar, cuidar dos filhos e do cachorro, pintar as unhas, namorar, tomar sorvete, ir ao mercado, passear no shopping, regar o jardim, limpar a casa toda.
Quem depende do tempo do trabalho precisa abdicar e renunciar muitas coisas na vida, nem sempre por causa de dinheiro, mas muitas vezes por uma questão de tempo: como realizar todas as atividades mencionadas anteriormente, por exemplo, num espaço muito curto de tempo? Ah sim, com certeza virá um consultor de alguma coisa dizendo que "tudo é questão de planejamento". Não é. (Viver uma vida inteira planejada, sem surpresas, decepções e com uma rotina perpétua não é nem um pouco motivante). Só é necessário ter consciência de que não sobra tempo para fazer tudo o que se gostaria de fazer e que existe uma lógica imposta negativamente sobre o ócio; as pessoas devem fazer tudo o que querem e não devem medir esforços para fazer qualquer coisa que se tenha vontade. O importante é também não ficar perdendo tempo, ficando parado e ver a vida passar como quem senta ao lado da janela de um trem que está rumando ninguém sabe para onde. 
Uma vida tumultuada? Também não quero. Por isso que tenho insistido e pensado constantemente na melhor forma de usufruir o tempo, ainda que seja perdê-lo. Por que é necessário estar sempre cheio de ocupações? Por que não se pode parar um pouco, mesmo que o tempo não páre? Como uma amiga já me disse uma vez, precisamos aprender a perder tempo. Ele é o tecido de nossa vida.

domingo, 31 de outubro de 2010

O naufrágio do Tucanic

Charge tirada do Blog Conversa Afiada
Alguém escuta. Espera. Prende
o fôlego, bem perto,
aqui. E diz: aquele que fala sou eu.

[...]
Não há ninguém aqui além
de quem diz: só pode ser eu.
Eu espero, prendo o fôlego,
escuto. O ruído ao longe

nos ouvidos, essas antenas
de carne tenra, nada significa.
É apenas o sangue

que bate nas veias.
Esperei muito tempo,
com o fôlego preso.
(ENZENBERGER, Hans Magnus. O naufrágio do Titanic: uma comédia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Canto primeiro: Alguém escuta)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Juventude (nem um pouco) transviada




No último post, comentei um pouco sobre a indústria cultural relacionada à publicidade, ao apelo estético, a um padrão de comportamento e pensamentos dados como prontos.
A juventude corresponde ao grupo mais atingido por este fenômeno. Ela é o público alvo do sistema. Um bom exemplo que confirma esta tese é a música. Márcia Tiburi, tendo pensado nesta questão, foi direto ao ponto e às conseqüências também: “Imagine que um empresário inventa uma banda com os bonitinhos de plantão, veste-os do jeito que tem que ser e vende essas pessoas que carregam uma mensagem. A mensagem que elas trazem nunca é perigosa e reflexiva. É sempre o velho papo do amor, que cobre as diferenças, a política”.
Repare que Márcia usa os termos inventar uma banda (quer dizer, o talento e a qualidade não estão em questão) e vender essas pessoas (que foram produzidas pelo sistema com a esta finalidade).
A declaração de Márcia é tão verdadeira que podemos comparar outras juventudes para afirmar o quanto esta, dos dias de hoje, é conservadora (eu diria que, até certo ponto, careta), não só pelo embasamento ideológico de sua estrutura – pois particularmente vejo que até os menos favorecidos economicamente são conservadores – mas pela ausência de questionamentos e indagações que poderiam gerar novas formas de ver o mundo: a juventude é conservadora com algo que foi aprendido dias atrás, e não há anos para analisar as experiências vividas.
O importante também é deixar claro que cada juventude vive num tempo preciso e num contexto muito específico, com normas, valores e ideais peculiares. No entanto, os ideais parecem estar camuflados, ninguém briga por nada, como se tudo já tivesse sido conquistado pelas gerações anteriores, principalmente a democracia e a liberdade de expressão.
Nós temos muitos exemplos no século XX do quanto é possível nadar contra a correnteza e ter um estilo de vida próprio, que foge às regras básicas. Poderia falar de várias tendências que surgiram ao longo das décadas (a geração beat, a tropicália, os caras pintadas, os punks, entre outras), mas um dos grandes ícones em rebeldia e busca de causas para lutar foi James Dean. Eu admiro demais a figura de James Dean, ainda que ele tenha sido um produto criado (e este detalhe não deve passar despercebido: seu caráter rebelde foi inventado, send fruto de uma produção). Mas se ele estivesse vivo hoje, certamente diria que a falta de rebeldia da juventude é um sintoma da indústria cultural – e isso o deixaria apavorado. Tentaria de todo modo encontrar algo para se rebelar; um mundo com tantos problemas e tantos jovens acomodados soa como anormal.
Além de já ter citado o exemplo musical, no Blog do James¹ ele comenta um pouco sobre a moda e a ausência de rebeldia: “Para começar, falta um uniforme pertencente a uma só geração. Na minha época, bastavam uma jaqueta de couro, um jeans surrado e um topete, e pronto. Qualquer um na rua apontaria: olhe lá um jovem rebelde. Essas roupas estão nas vitrines de qualquer lojinha convencional de shopping ou no corpo de um cinquentão. Roupa suja? Não dá, as roupas já vêm fantasiadas de imundas. Tudo está na moda. Não é possível chocar ninguém”.
Outros dois exemplos que vêm à mente agora: as calças rasgadas dos punks, as camisas de Che Guevara para os revolucionários socialistas. Tudo hoje é moda.
Voltando na questão da indústria cultural, vendo a juventude corrompida e engolida por este mal (que não é necessário!), que não tem sonhos e utopias de revolução (ainda que no processo de amadurecimento eles fossem deixados para trás e esquecidos), a grande preocupação de Adorno e Horkeimer era justamente esta: o modo de produzir e reproduzir a própria existência das pessoas, um processo mecanizado, com pensamentos prontos e verdades incontestáveis.
Por isso que esta semana eu dei um aviso a certos alunos (aqueles que eu ainda acredito que serão capazes de se desviar das tendências): Se não for agora, se a agitação e o questionamento não vierem agora, não virão nunca mais!

PS: É possível entender por que o rock cria o tempo de rebeldia; é o gênero que sempre se mostrou disposto a fugir de padrões, encarar nos olhos a realidade – nua e crua – e levantar uma bandeira própria. Pena que essas bandas inventadas e vendidas não são capazes de fazer o mesmo hoje. Ainda escreverei sobre isso.


Notas: 
1 - O Blog do James Dean é um dos blogs de personalidades do Blogs do Além.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Maiores esclarecimentos

Dois frankfurtianos chamados Theodor Adorno e Max Horkeimer elaboraram em 1947 não só um livro como, na minha opinião, o grande conceito do século XX e XXI: o de Indústria Cultural. O livro que aborda o texto sobre este conceito chama-se Dialética do Esclarecimento (acreditem se quiser, até a Veja elogiou a obra dos pensadores da Escola de Frankfut).


Para quem não sabe, indústria cultural é a produção de determinados produtos que, além de se transformarem em mercadoria, possuem certa semelhança com a arte: atinge a sensibilidade das pessoas.
Na Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkeimer deixam claro que indústria cultural é uma cultura que está sendo produzida e que engloba não só as mercadorias destinadas ao consumo, mas também modos de ser, comportamentos, estética e pensamentos, todos produzidos em escala industrial.
Pensando no fenômeno da publicidade, cada vez mais impactante, a indústria cultural conseguiu vingar porque atravessou o pensamento do indivíduo, ou seja, ninguém é autor de seus pensamentos, porque os mesmos já estão dados. No mundo da publicidade, uma idéia, uma frase e uma cena visual carregam valores e mensagens que, de tanto serem repetidas, tornam-se verdades. Toda a estrutura estética é mostrada como um espetáculo, e é por isso que compramos a roupa, o carro, o celular e, consequentemente, suas idéias embutidas nos produtos, que atravessam a percepção. Ninguém pensa por conta própria, porque pensa de acordo com os valores que são vendidos.
É muito fácil ser bombardeado com o pensamento de que, se uma pessoa não é bonita, rica e desejada, ela pode ser isso e muito mais se adquirir determinado produto. E é muito fácil também tomar como verdade porque o show midiático não deixa ninguém em paz, sempre há um lembrete ao ligar a televisão, ao deparar-se com os outdoors, ao ler o jornal.
Há um grupo que é, indubitavelmente, o mais atingido pelo fenômeno da indústria cultural. Deixarei esta discussão para o próximo post, que (prometo!) não deve tardar.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Uma camiseta que deu pano para manga

Em março deste ano, participei de um curso voltado ao entendimento da sociedade e do modo de produção capitalista. Faz quatro anos que este tem sido um dos principais focos de meus estudos. O Fábio, do Núcleo de Educação Popular 13 de Maio de São Paulo, foi responsável por tal curso.
O que mais me chamou a atenção, em dois dias de discussão, durante 16 horas, não foi o ótimo discernimento do Fábio, seu conhecimento acadêmico apesar de não ser graduado em curso algum ou seu excesso de palavrões que saíram espontaneamente e com um bom humor que arrancou algumas risadas. Foi simplesmente a camiseta que ele usou, um tanto polêmica, intrigante e inusitada. Ela trazia uma imagem no mínimo interessante, que me fez pensar o quanto somos diferentes e como estamos focados e nos preocupamos com coisas totalmente diversas: o camundongo Mickey Mouse, o palhaço Ronald McDonald e uma garota que foi a cara e o símbolo de uma guerra: Phan Thi Kim Phuc, uma das "protagonistas" da Guerra do Vietnã. Isso mesmo, aquela menina que está na clássica foto do conflito correndo, nua, chorando, queimada.
Na camiseta, os personagens norte-americanos aparecem de mãos dadas, com Phan ao centro. Eles estão sorridentes e esbanjando alegria, para não perder o hábito. Aliás, eu gostaria de questionar quem é o público que o Mickey e o Ronald McDonald trazem alegria, porque eles são praticamente inacessíveis a boa parte da população mundial. Esta imagem representa não só o conflito travado entre Estados Unidos e Vietnã (na época, do Norte), mas a séria dívida que temos com a História, que é - e sempre foi - contada sob o ponto de vista dos vencedores, e não dos vencidos. E mesmo que neste caso o Vietnã tenha ganho a guerra, Phan foi esquecida. Mickey e Donald triunfam desde suas criações sob a égide da hegemonia norte-americana. Esta representação, por mais simples e ilustrativa que seja, tem caráter complexo e reflexivo.
Ficam, portanto, algumas perguntas: de que forma pensamos e agimos sobre o mundo? Como analisamos a nossa própria história, a história dos outros, os eventos sociais e políticos? Afinal, o que consideramos realmente importante neste mundo: a fantasia ou a dignidade?

Obra genial do artista de rua britânico Banksy

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A propósito das eleições

Ao contrário do que muitos pensavam, Dilma não venceu no primeiro turno. E até o fim do mês vai dar para sentir a sujeira  que vai se proliferar no ar.
Falando em sujeira, quem não gostou muito do ocorrido foi Paulo Henrique Amorim, que no seu blog Conversa Afiada declarou que boa parte dos votos de Marina Silva veio da direita cristã, das ramificações evangélicas e (neo)pentecostais, um voto com caráter confessional, chamando a candidata do Partido Verde de "Traíra in natura" e afirmando que "o Serra é tão religioso quanto democrata".
Neste mesmo blog, encontrei um vídeo muito interessante a respeito de José Serra caso seja eleito o novo presidente do Brasil, com a fala de Ciro Gomes. Querendo ou não, gostando ou não de Ciro, ele tem gabarito para falar sobre determinados assuntos, porque não caiu de pára-quedas na política, e também não é um novato aprendiz de cientista político.


 
E POR FALAR EM ELEIÇÃO...
Esta semana tive a oportunidade de conversar pessoalmente com Afonso Mônaco, um dos repórteres do Domingo Espetacular da Rede Record. Ele disse o seguinte: "Se o Serra ganhar esta eleição, eu vou mudar ou para o Paraguai ou para o Haiti, porque até lá estará melhor que aqui".

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A verdade que foge à razão

O velho entrave entre ciência e religião ainda persiste na sociedade e parece ser cada vez mais intenso. Daí não se torna muito difícil este assunto ser pauta na escola, em filmes, livros, discussões acadêmicas e entre pessoas que julgam ter um certo grau de maturidade para falar sobre isso.
Porém, uma das coisas mais interessantes desse conflito é justamente o fato de ambas serem parecidas em alguns aspectos e uma criticar ferozmente a outra. Tanto a ciência quanto a religião são dogmáticas, donas de uma verdade incontestável e que dificilmente pode ser compatível com outras formas de pensar o mundo.
A religião diz o tempo todo sobre a importância da fé, esta sendo condenada pela ciência já que ela é a verdade absoluta e a resposta para tudo. No entanto, ninguém possui tanta fé quanto a ciência e as pessoas, ainda que tenham ou não alguma religião.
Exemplos não faltam. Moramos numa casa porque acreditamos que o engenheiro acertou nos cálculos e, sendo assim, o teto não vai desabar repentinamente. Temos fé que o avião não vai cair porque acreditamos que os técnicos envolvidos na construção do mesmo pensaram e conferiram todos os materiais adequados para que ele pudesse manter-se firme no céu. Tomamos um remédio porque os cientistas e médicos garantem os resultados e advertem a população de todos os possíveis efeitos colaterais. Pensamos que a velocidade da luz é de 300 mil quilômetros por segundo porque os estudiosos da ciência e da Física chegaram à esta conclusão, mesmo que ninguém nunca tenha viajado com tanta rapidez. Ora, quem é então a ciência para falar da fé religiosa? Poderia ficar o resto do dia dando "n" exemplos de como a fé se faz presente na racionalidade científica.
Giddens escreveu sobre os sistemas peritos, os mais presentes e dominantes em nossa sociedade. Eles, por exemplo, desconsideram bastante os curandeiros das comunidades, uma vez que há cursos de formação e há médicos especialistas em cada área que atinge o corpo e o ser humano, reduzindo muitos trabalhos a um aspecto técnico e especializado, mas com o mesmo resultado dos rituais caseiros e tradicionais antes da existência desse aparato científico.
O homem crê muito, não importa necessariamente em quê. A fé e a crença são elementos que se fazem presente em todos. Muitos acreditam na ciência em função de ser algo mais concreto e objetivo que a religião (sobretudo os que se dizem sem religião e sem fé), mas a grande verdade é que a ciência não possui o tanto de respostas que pensamos que ela tenha. Tudo na ciência é hipótese e está sujeito a transformações e novas descobertas. As certezas ainda são poucas.
Não quero dar mérito à religião; esta é recomendada aos que precisam se fixar de vez em algumas ideias, ter um valor acima de todos os outros ou até estudar muita teologia para poder discutir seriamente alguns assuntos. A ciência também tem seu valor por ter contribuído com invenções e estudos que mudaram o mundo e facilitaram a vida das pessoas. E também é melhor não falar do prejuízo que cada uma deu, porque exemplos de tragédias e catástrofes não faltariam.

domingo, 3 de outubro de 2010

O passado está no céu

Certa vez, conheci um professor chamado Newton. Curiosamente, era um professor de Física, que levava muito em conta os rigores metodológicos e científicos de cada teoria que apresentava e cada experiência realizada.
Certo dia, enquanto eu fazia uma caminhada à medida que o Sol deixava apenas rastros no céu, encontrei o Newton em frente a um lago, após uns dois anos depois de ter me formado no Ensino Médio. Estava me aproximando dele com calma e, com toda a educação, eu o cumprimentei. O professor perguntou-me se eu sabia por que ele estava lá. Achei esta pergunta muito estranha, mas isso não foi nada perto do que ele iria dizer depois. Lembrando de seu estilo pragmático, respondi:
- Bem, Newton, na verdade eu não sei. Um lugar como este apresenta muitas razões para nós e todas essas pessoas estarem aqui. Também desconheço a resposta que mais agradaria o senhor, porém não tenho nenhuma hipótese ou teoria a respeito do fato de você se encontrar aqui e não numa conveniência, por exemplo.
Foi então que, após uma respiração profunda, ele respondeu:
- Estou aqui a fim de olhar para o passado. Quer vê-lo comigo?
Pausa dramática. O que será que o Newton estava querendo dizer? Por um breve momento, pensei que ele estivesse usando algum tipo de droga. Esta era uma explicação muito plausível para justificar sua fala. Como alguém pode ver o passado? Tudo bem que tem gente por aí que diz ser capaz de ver ou ao menos prever o futuro, mas o passado já era demais pra mim. 
- Professor, sinto muito por não compreender o que você diz. Sendo assim, não posso aceitar o seu convite com naturalidade.
Pensando no papelão que eu estava fazendo, resolvi agradecê-lo pelo convite e disse que estava indo. Tendo compreendido o meu desconhecimento de seu pensamento, aproximou-se de mim e começou a explicar:
- Estou esperando o fim do dia, a chegada da lua e sobretudo das estrelas. Porque olhar para o céu é olhar para o passado. Quando você diz que a noite está linda, com um brilho diferente e olha para o céu e sente que tudo está muito bonito, você está olhando para o passado, porque o brilho das estrelas foi emitido há muito tempo e só no momento em que percebemos o brilho é quando ele chegou até nós. Mas isso não é tudo: para dizer a verdade, não importa se o céu à noite está bonito ou não; ele é sempre um reflexo do passado, e todas as vezes que você sentir a necessidade de pensar sobre algo que aconteceu de uma forma não muito racional e convencional, espere pelo fim do dia e olhe para cima. Talvez você encontre alguma resposta ou explicação.
Pausa dramática II. Ele sabia que eu sempre gostei muito de poesia, e ter falado do passado desta maneira me encantou, primeiro pelo ar poético, segundo por nunca ter pensado assim, evidentemente porque desconhecia este fato científico da Física. 
Fiquei com o Newton até conseguir enxergar as primeiras estrelas. Depois daquele dia, o céu nunca mais foi o mesmo para mim. 

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Primeiro e único aviso

Época de eleição é a mesma coisa de sempre: pão e circo, invenção genial dos romanos e que muita gente pensa que isso é coisa da Antiguidade. Na verdade, até aperfeiçoamos o método.
É comum também, neste período, recebermos milhares de mensagens que atiram críticas por todos os lados, quando não aquelas do tipo: "Votem nas putas, porque nos filhos não adiantou" e assim por diante. Enfim, todo esse blá-blá-blá que, vamos confessar, já enjoou.
Mas como dizem que é legal estar na moda, e agora a moda é o processo eleitoral do dia três de outubro, o meu único aviso é uma reflexão simples. Não adianta votar em Tiririca, em garota de programa, em ex-BBB, em KLB, em mulher-fruta ou no campeão do rodeio internacional. Estes mal lembram de seus últimos votos e estão lá para fazer palhaçada. Mas fique atento aos bandidos de terno. Votar num palhaço é uma coisa. Votar num candidato graduado de terno e gravata que vai fazer o coletivo de palhaço é outra bem diferente. Mas em nenhum desses casos os problemas políticos brasileiros poderão ser solucionados (inclusive, às vezes nem quando votamos em candidatos com propostas interessantes a situação muda. Imagine nestes).
Votar consciente é tudo que se pode pedir, mas infelizmente não é o que estou esperando dessas eleições, principalmente em se tratando do Governo do Estado de São Paulo.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A sociedade civil é podre

Esta frase, desde quando a ouvi (semana passada), ficou na minha cabeça e não saiu mais desde então. Para coroar a obra, um amigo deu um dvd com um documentário chamado Surplus, que serviu apenas para mostrar o quão podre é a sociedade civil - de consumo!
Uma das coisas mais chocantes, creio eu, é a combinação de imagens nos três primeiros minutos com esta fala:

A sociedade de consumo destruiu o meio ambiente. Exterminou milhões de espécies de plantas e animais. Envenenou os mares, os rios e os lagos. Poluiu o ar. Saturou a atmosfera com dióxido de carbono e outros gases nocivos. Destruiu a camada de ozônio. Esgotou nosso petróleo, carvão, gás natural e outros recursos minerais. Exterminaram nossas florestas e destruíram as deles.
Então o que resta para nós? Subdesenvolvimento. Pobreza. Dependência. Atraso. Dívida. Incerteza.
Para as sociedades desenvolvidas, o problema não é o crescimento, mas a distribuição. E não só entre elas, mas entre todos. O desenvolvimento sustentável é impossível sem uma distribuição mais justa entre todas as nações. Afinal, a humanidade é uma grande família e todos compartilham o mesmo destino. Dadas as profundas crises atuais, estamos enfrentando um futuro ainda pior que nunca nos permitirá resolver a tragédia econômica, social e ecológica de um mundo cada vez mais fora de controle. Alguma coisa tem que ser feita para salvar a humanidade. Um mundo melhor é possível!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A (re)invenção da infância




A educação bancária é o que há de mais perverso. Desde cedo crianças são introduzidas na lógica mercantil e competitiva. Os pais matriculam seus filhos no judô, no inglês, na informática e na natação não por serem práticas saudáveis e fontes de conhecimento (este é o segundo plano), mas realmente para criar uma agenda de adulto e fazer a criança entender desde cedo que as coisas funcionam assim. Uma criança com tantos afazeres não faz o básico que caracteriza a infância: ela não brinca.
Se esta realidade concerne às famílias favorecidas economicamente, por outro lado, as crianças que enfrentam a luta diária da desigualdade e dos problemas sociais estruturais também não têm infância porque são inseridas no mundo do trabalho muito precocemente.
Então a pergunta é: existe infância, ela se perdeu ou se adaptou às várias realidades existentes e ninguém a percebeu ainda?

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A aniquilação do tempo

Gosto de falar sobre o tempo, especialmente porque este ano tenho me dedicado a leituras que envolvem esta coisa misteriosa, enigmática e, obviamente, precisa (lembrando que a precisão do tempo é uma invenção moderna)¹.
Hoje tenho uma notícia não muito agrdável. Nós matamos o tempo. Matamos, enterramos e esquecemos que ele existiu um dia. O que é o tempo? Pergunte isso para qualquer pessoa, e será possível perceber que ele se tornou uma abstração, desconectado da história e da vida.
Alguns poderão dizer que o tempo equivale a dinheiro, um velho jargão. Outros ainda poderão afirmar que quem controla o tempo possui um enorme poder nas mãos. No entanto, dificilmente surgirá uma resposta satisfatória, e isso tem uma explicação racional e precisa.
A história nos mostrou - e provou! - que se usarmos o tempo a nosso favor, podemos conquistar terras mais rapidamente, explorar e dominar lugares e povos. O importante é estar atento e ser ágil. Com os homens, o pensamento não é muito diferente: se o indivíduo souber administrar o tempo, ele poderá fazer mais coisas em menos tempo. E o erro nasceu aí. Pode até ser que mais coisas possam ser realizadas num intervalo de tempo menor, mas isso só é motivo para arrumar outros compromissos e outras coisas para fazer, até todo o tempo estar preenchido e as frestas que restarem serem usadas para a respiração - para poder continuar vivendo e assumir mais e mais atividades.
A má notícia é que como as pessoas não podem ficar paradas, tudo deve ser feito rápido, quase que instantâneo. Não existe uma pausa para reflexão. Paciência é uma palavra ligeiramente desconhecida. Tomemos como exemplo os fast-foods², a internet e sua velocidade de se conectar com o mundo em segundos, as corridas arriscadas dos motoboys (engana-se quem pensa que eles correm porque gostam de se aventurar no trânsito desorientado). Tudo isso é para nos atender agora, instantaneamente. Por isso que eu falo em aniquilação do tempo: se este venceu o espaço ao lado das técnicas que permitem a velocidade e rapidez em tudo, nós destruímos a duração e elegemos o instante. Não existe mais tempo, existe apenas fragmentos de tempo, um momento que logo em seguida é substituído por outro para, claro, encaixar com a lógica que colocamos na cabeça: fazer uma coisa, terminar ou não a mesma, e inicar outra logo em seguida.
Será que vale a pena viver aniquilando o tempo e não desfrutar os prazeres longos, profundos e intensos da vida? Será que manter-se sempre ocupado realmente faz bem para o corpo e para a mente? Por que não renunciar o ritmo alucinado e estonteante para viver melhor e aproveitar mais tudo que for possível (ainda que seja necessário abrir mão de algumas coisas e que confiemos no poder de uma escolha consciente)? Afinal, o tempo é o tecido de nossas vidas.

Notas:
1 - Citarei três formas de se conceber o tempo, de forma muito resumida. Na Antiguidade, o tempo do homem se relaciona com o tempo da natureza, da agricultura. No período medieval, também, mas o tempo social é regido principalmente pela Igreja. Somente na modernidade é que os relógios de pontiros que marcam o tempo com precisão surgem poderosamente.
2 - Fast-food não é só Mc Donald's. Qualquer comida industrial, seja miojo, enlatados ou produtos que ficam prontos em alguns minutos abrangem o conceito de fast-food. A comida que nós mesmos elaboramos (massa, tempero, recheio e etc) demanda tempo, e então não se enquadra no padrão das comidas rápidas e superficiais.

domingo, 29 de agosto de 2010

Destino ímpar

Em 10 de agosto fez 15 anos que um grande sociólogo que era brasileiro nos deixou. Florestan Fernandes foi um homem excepcional. Talvez eu tenha pouquíssima credibilidade para falar de alguém como ele, mas sem sombra de dúvidas foi o maior sociólogo brasileiro.
Foi aquele que desconheceu o pai, era filho de uma simples lavadeira analfabeta e morou em cortiços.
Foi aquele que trabalhou desde a infância, que aos seis anos já dormia no próprio estabelecimento de trabalho. Depois, passou a ser engraxate e posteriormente, garçom do Centro Histórico de São Paulo.
Atrás do balcão, enquanto não servia professores, doutores ou jornalistas, Florestan se debruçava em obras literárias, até que um dia despertou a curiosidade de um homem que passou a incentivá-lo aos estudos. A USP estava em seu primórdio quando o sociólogo começou a estudar lá. Então, não parou mais.
Apesar de todas as dificuldades (ele aprendeu a ciência sociológica em qualquer idioma, menos em português porque os grandes mestres vieram do exterior), Florestan nunca deixou de lado o esforço e a persistência.
Foi ele que tornou a Sociologia uma profissão como as outras existentes. E estando nessa condição, sua grande preocupação era com o método científico; a Sociologia não poderia ser "qualquer coisa" para ele.
Embora levasse muito em consideração o rigor metodológico, a coisa mais importante para Florestan era, sobretudo, o receio de se afastar de suas origens. Era acima de tudo um homem humilde e que sabia muito bem qual era o seu lugar no mundo.
Sua trajetória, para isso não virar uma espécie de resumo de biografia, está escrita em todos os meios de comunicação. Sua carreira política, enquanto constituinte, foi de fundamental importância para a constituição de uma democracia no Brasil depois de séculos de exploração colonial e, mais recentamente, ditaduras militares.
O Brasil ainda não conheceu alguém como Florestan Fernandes que, diferente de qualquer outra pessoa, teve um destino ímpar. Ele é uma das pessoas mais admiráveis que tenho conhecimento em um pouco mais de duas décadas de vida. E, sinceramente, não acredito que conhecerei com facilidade alguém que chegue em seu nível de esclarecimento e superação intelectual, de vida e de história.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Do ócio

Todo mundo está cansado de ouvir - e dizer! - que não tem tempo para nada, ou que não se pode perder tempo. Consequentemente, a imagem do ócio não é bem vinda em tempos de correria e desordem. Ficar sem fazer nada quando se tem muitos compromissos é um descaso.
Pois bem. Acontece que arrumei uma justificativa para conservarmos um pouco o ócio. É exatamente este tempo vazio que produz a consciência de usufruir melhor o restante do tempo que temos. Tirar um dia ou algumas horas para não fazer nada nem em sonho; o ócio é impensável porque estamos sempre com pressa, fazemos esquemas práticos e milaborantes, às vezes nos multiplicamos para fazer tudo o que precisamos e deixamos de pensar como poderíamos nos organizar minimamente melhor, sobretudo viver mais tranquilamente.
Sou a favor do ócio, não só por isso, mas realmente para contemplar um pouco a vida, porque já que o tempo nem sempre está a nosso favor, não estou disposta a vê-lo passar num ritmo estonteante e, principalmente, degenerativo.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Em cada esquina herdarás só o cinismo

Domingo à noite. A missa na igreja Matriz acaba e todos vão passear na praça central, ouvir a banda tocar no coreto, comer pipoca e comprar algodão doce. Sento no banco de sempre, com a propaganda antiga Chapeos, e o casal com as duas filhas que receberam a benção passeiam contentes. Reconheço o homem com camisa social. É aquele que agora abraça a mulher e dá a mão para uma das filhas e durante a semana sai com minha melhor amiga e lhe oferece regalias típicas de uma vida de rainha.

******

É sábado numa manhã ensolarada de setembro e os feirantes estão a todo vapor montando suas barracas. O povo começa a chegar freneticamente. No meio do "zé povinho", surge o nobre - e rico - candidato a vereador da cidade Laerte Gomes, que se mistura à multidão com um sorriso falso e amarelado, cumprimentando "aquela gente". A barraca do pastel do japonês está lotada e, ao se aproximar dela, eis que um desconhecido diz em alto e bom tom, cheio de ironia:
- Pára, Laerte. Todo mundo sabe que o senhor não vem à feira, muito menos para comer pastel. Está aqui para pedir votos a esta gente humilde.
Gomes come seu pastel de carne sem saber o que responder e onde esconder o rosto corado de vergonha.

******

Por isso que, como diz uma amiga, a humanidade é movida através de dois poderes: sexo e dinheiro.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Ilusão do resgate da humanidade

Ontem, numa breve conversa com o Deivid, discutimos sobre a proibição de touradas na região espanhola Catalunha. Para mim, está claro que os animais - não só em touradas, em rodeios, mas em infinitos lugares, incluindo corridas de cavalos, um esporte totalmente elitizado que traz sofrimento ao animal - ainda são tratados de forma medieval.
A questão é uma só: se não superamos nem a questão de tratamento aos animais, estamos bem longe de superar a questão da indignidade humana.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Eu sou eu e a minha circunstância

O que me incomoda profundamente no caso do goleiro Bruno é simplesmente o fato de que "Poxa, o goleiro do Flamengo, campeão brasileiro, fazendo isso?". E eu digo: "E daí?". Ele deve servir de exemplo pra quem? Pra ninguém. Pouco importa se ele é o goleiro do Flamengo, o coadjuvante da novela das 15 horas do SBT ou o anônimo que não faz diferença para ninguém no mundo. A sua condição não importa, uma vez que ele é também um ser humano e está sujeito a realizar coisas grandiosas ou miseráveis e assustadoras. Quem se lembra da história de Lucius Domitius Ahennobarbus, mais conhecido como Imperador Nero, sabe muitíssimo bem o que estou dizendo.

O psicanalista Jorge Forbes escreveu um artigo nO Estado de São Paulo (clique aqui) que diz tudo (inclusive conversei com o Velho Marinheiro muitas vezes sobre isso), e para mim encerra o assunto, porque é deprimente ligar a televisão e ouvir este caso toda hora. Um trecho:

Podemos pensar em uma explicação paradigmática, além das particularidades de cada caso, o que o mais das vezes só anda tampando o sol com a peneira: foi o pai violento, a mãe alcoólatra, as más companhias, a péssima educação, o irmão psicopata, etc. Ocorre que a saída da pobreza e do anonimato para a riqueza e a fama, subitamente, gera uma forte crise de identidade. Ter sucesso é cair fora; na palavra "sucesso" existe a raiz "ceder, cair". Quem tem sucesso cai fora do seu grupo habitual de pertinência. Tom Jobim não tinha razão quando dizia que o brasileiro não desculpava o sucesso, pois nenhum povo desculpa, só variam as maneiras de demonstrá-lo. A máxima de Ortega y Gasset ainda é válida: "Eu sou eu e a minha circunstância". E quando a minha circunstância muda abruptamente, fica a pergunta profundamente angustiante: "Quem sou eu?", que fundamenta a crise de identidade.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Ilusão da exclusividade

Nesta sociedade que vivemos, exclusividade é tudo. Pessoas buscam o tempo todo sua liberdade individual com o propósito de serem diferentes, de terem (ou construírem) uma identidade. E como somos bombardeados diretamente pela mídia, a farsa está lançada. Ou seja, o produto é fabricado em massa para ser ferramenta da variedade individual.


Todas únicas, todas individuais, todas escolhem Batons Viva la vida! Seja você mesma!

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Raquel Cristina Araras

Apesar de este ser meu nome e não estar em Barcelona, a paráfrase do filme Vicky Cristina Barcelona só aconteceu porque realmente pensei que o filme fosse uma espécie de biografia da minha pessoa através de duas personagens, não só por se tratar de conflitos existenciais e pessoais (ao contrário do que muitos imaginam, pensando em conflitos amorosos) mas justamente por apresentar questões reflexivas e que proporcionam insegurança às pessoas.
Com um cenário belíssimo e uma trilha sonora encantadora, os diálogos soam fundamentais para compreendermos aquilo que nos é estranho e desconhecido. A verdade é que tudo o que parece diferente acabamos recusando por medo, por receio das consequências. Afinal, a regra de nosso mundo líquido é que cada um se responsabilize por atos e escolhas, pensando ou não no que pode vir depois.
Justamente por isso, procuramos confiança e segurança, sobretudo nas pessoas. Traçamos planos e criamos metas o tempo todo porque pensamos que estando bem com um parceiro, o retorno é garantido, a satisfação é plena e nada deve dar errado. No entanto, a contradição é grande, porque também é ordem moderna a insatisfação crônica, e esta doença me acompanha incessantemente, sobretudo na vida pessoal.
Se prestarmos atenção em Vicky, veremos que ela se encontra o tempo todo fechada para negociações - principalmente amorosas - porque acredita ter construído e elaborado um cotidiano e futuro sem erros e imprevistos. Mas a partir do momento que outra pessoa minimamente estranha e com propostas incomuns surge em sua vida, Vicky parece estar num poço de dúvidas e transtornada com o véu não mais encoberto do desconhecido.
Cristina, porém, apresenta um quadro totalmente diferente. Livre, leve, solta e entregue a um mundo onde tudo pode fluir (inclusive as experiências de vida), é aquele pessoa que realmente só tem certeza do que não quer, porque não sabe o que realmente procura, agarrando, assim, todas as oportunidades que lhe surgem, mesmo que sua vida acabe mudando totalmente. Não digo que isso é mera ingenuidade ou mente de quem ainda não amadureceu partindo do pressuposto diante das escolhas - que parecem ilimitadas - que temos, o mundo nos apresenta muitas coisas, e na angústia de tentarmos nos encontrar, acabamos nos perdendo cada vez mais. Este é o caso de Cristina, que tenta viver intensamente. Como ela, já pensei diversas vezes que tenho muito a expressar e mostrar artística e culturalmente, mas talvez me falte talento ou até mesmo uma estrutura adequada para tanto.
Até o final do filme, muitas idéias passaram pela mente; algumas estão aqui expostas. Mas ficou claro que, dentre todos os pensamentos, quanto mais tememos o desconhecido por acreditar que temos tudo, mais ele se fortalece e nos surpreende. E quanto mais perdidos estivermos, menores serão as chances de nos encontrarmos.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Primeira semifinal definida

Que o Brasil é o país do futebol, não há dúvidas, apesar do esporte não ter surgido por aqui. Em qualquer lugar que se anda é possível encontrar um estabelecimento de futebol society, um gramado, uma quadra não muito bem estruturada ou até mesmo uma rua improvisada que sirva de campo, tendo ou não areia, asfalto ou grama. Enfim, treinando em clubes ou na rua perto de casa, por onde se passa, aqui tem futebol.
Não tenho muito o que comentar em relação ao jogo do Brasil contra a Holanda. Quem assistiu e ouviu todos os (inúteis ou relevantes) comentários de Galvão Bueno e seus comentaristas ou de Milton Neves, Datena e Denilson na Band sabe que o Brasil apresentou um futebol bonito no primeiro tempo e no segundo a camisa de Orange brilhou e desestruturou e abalou a camisa verde e amarela. Como disse no post anterior, fiquei triste pelo Brasil, claro. No entanto, a Holanda também fez por merecer a vitória e fiquei satisfeita.
E vamos parar de culpar o senhor Jagger. Isso é delírio de gente que não anda muito ocupada e não tem coisa para fazer (ou que talvez não entende e/ou não racionaliza o futebol).

Agora, emocionante mesmo foi o jogo de Uruguai e Gana. Confesso que fiquei meio atordoada com os últimos acontecimentos em tão pouco tempo, e pensei que o coração fosse rasgar o peito e dar um salto pra fora. Luis Suárez foi o grande herói. Na cobrança de falta em que tudo estava perdido para o Uruguai, o jogador foi tão ousado que, sobre a linha do gol, colocou as duas mãos na bola para evitar que esta entrasse. Naturalmente, ganhou uma bela expulsão e um pênalti.

No exato momento em que isso ocorreu, disse para minha irmã que tanta ousadia foi a melhor coisa que ele poderia ter feito, porque o Pênalti não é a garantia exata de gol (e nesse caso, a expulsão seria indiferente nesse jogo, já que estava no fim). Nem Suárez acreditou quando o batedor de Gana errou na cobrança. Eu também não. Depois, todos já sabem o que aconteceu.
Pensei muito na cena desde o começo da falta até o gesto do uruguaio. Para mim, foram os segundos mais emocionantes da Copa até então. Penso que pouquíssimos jogadores fariam o mesmo. Cheguei até a imaginar uma jogada desse tipo no jogo do Brasil e Holanda. Não consegui visualizar ninguém fazendo o que foi feito por Suárez. Graças a ele, querendo ou não, o time sul americano garantiu vaga na semifinal. Corajoso e ousado, ele mudou o rumo do país na Copa e deu uma chance para a vitória.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O confronto que eu não queria


Agora é a hora da verdade. Duas seleções invictas vão se enfrentar. Mais que isso: a minha seleção brasileira e a seleção holandesa (a mais apreciada por mim) devem travar um confronto decisivo em que somente uma sairá com a vitória.
Não vou traçar nenhum histórico dos dois times, porque todos já sabem - ou deveriam saber - os grandes feitos de cada um, apesar da seleção dos Países Baixos nunca ter ganho uma copa, o que ressalta a sede, a vontade incomparável de trazer o título. Quem lembra da Holanda de Rinus Michaels sabe que o Heráclito da era moderna por muito pouco não realizou o grande sonho que toda seleção de futebol tem.
Em terras mais tropicais, o hexa seria a glória, em especial para o ex capitão e hoje técnico Dunga, altamente criticado em diversos momentos desde que assumiu o comando do Brasil.
Em relação aos jogos de hoje, a Holanda mostrou a que veio, e como veio: com garra, técnica, precisão e arte. Já o Brasil está demonstrando firmeza e bom preparo de quase todos os jogadores. Este é um confronto que eu não queria que ocorresse. E, sinceramente, ficarei feliz por qualquer seleção que ganhar, e triste pela qual sair derrotada.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Um duplo em mim

Eu, que nem sei de mim,
pouco sei de outrem.
E se o conhecimento é uma metáfora,
eu sou metonímia, com inversões e contradições
encerradas no sujeito líquido,
que não se conhece e conhece a ninguém:
tudo passa na vida, nada permanece.
E o sujeito oculto, minha outra face,
que acredita na solidez,
esse sim se faz presente e eterno.
Parece sensato.
No entanto, ambos correm o risco de enlouquecer.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

No limite do sistema

Depois do último post, de ler mais Thoreau e de dar aulas no Estado, cheguei à conclusão de que existe um problema: encontro-me no limite do sistema. Semana passada, sério, pensei que não iria sobreviver nesse fim de mundo. O Velho Marinheiro também pensou. E o que me deixa mais aliviada é saber que não estou sozinha. Tenho certeza absoluta de que muita gente está nesta situação. Sei que tenho apresentado um quadro de pessimismo ultimamente, mas não estou aguentando tanta desordem. Quem assistiu e prestou atenção nos diálogos de Edukators sabe muito bem o que estou dizendo.
Viver a ilusão da democracia e a ditadura do capital (como afirmou Meszaros) concomitantemente é a regra básica do sistema: "exaurir todos até o limite para que não possam reagir". As pessoas, sob essas condições, não são felizes, e isso explica o fato de eu estar ocupando a mente com leituras mais otimistas, que me fazem pensar que a vida é um barato e é muito bom estar vivo e com saúde para realizar muitas coisas. Inclusive li, há pouco tempo, uma crônica de Zuenir Ventura sobre Darcy Ribeiro, sendo este, talvez, o brasileiro mais otimista que conheci ao longo dessas duas décadas que estou viva.
Estar no limite do sistema é condição fundamental para refletir o que de fato é o ser humano e até que ponto chegamos, para não vivermos como animais assustados achando que a felicidade está perdida. Já perdi totalmente a esperança de mudar o mundo, mas afirmo com convicção de que já transformei muitas coisas ao redor, inclusive pessoas. Este é o curso da vida e da mudança: reconhecer o problema e depois agir. Por isso não abro mão da consciência social. Esta é uma das formas de sobreviver quando se está no limite do sistema.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Um post sem expressão

Todo mundo vive um dia (ou vários) que, em seu término, a sensação de "estar à toa" prevalece, a impressão de que o dia se foi e nada foi feito, e que se este tivesse sido o último, o arrependimento seria dos maiores. Como hoje foi exatamente isso que me ocorreu, não há muito o que expressar. Quando tudo se apresenta no vazio, nada faz sentido. Penso que num dia como hoje, a composição de Chris DeGarmo e Tate (meu grande ídolo) representa muito para mim.


No chance for contact
There's no raison d'etre
My only hope is one day I'll forget
The pain of knowing what can never be
With or without love it's all the same to me.

PS: Evidentemente, também estou pensando que este post foi à toa.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Quer saber? Pague.

Tem dias que acordo com uma tendência quase anarquista (enquanto corrente filosófica). Hoje é um desses dias. Em tempos de indignação, a maior inconformidade é referente ao conhecimento, pois até este foi engolido pelo mercado. Em linhas gerais, o conhecimento também é uma mercadoria.
Às vezes fico pensando que o conhecimento tinha outro valor antes da lógica do capital se estabelecer de vez. Conhecer a natureza (e o tempo), a vida, os símbolos da sociedade à que se pertence, os conflitos... Tudo era muito mais importante, fazia muito mais sentido para o homem. E realmente penso que isso é o que, de fato, é válido para nós. E então os anos passaram, e desde então, com a divisão e "flexibilidade" do trabalho, é necessário um tipo de conhecimento que requer condições econômicas, a exemplo dos diversos cursos que um sujeito abstrato (o mercado) exige, GARANTINDO retorno, o que é uma grande ilusão. Comprar este conhecimento - isso quando realmente podemos afirmar que haverá um aprendizado - é como se estivéssemos nos preparando para o sucesso. Quer dizer, não se deve conhecer o fracasso, as dificuldades. O importante é estar sempre bem e não conhecer as maldades do sistema capitalista. Mas Gariel, o Pensador já nos alertou que "aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá".
Por uma questão ideológica, não sigo esta tendência. No entanto, o desejo por aumentar o meu conhecimento tem um preço, e é altíssimo. E eu não posso pagar para tê-lo e me aprimorar enquanto ser humano. Isso é revoltante. E reconheço que, enquanto busco isso, tem gente tentando conseguir um trocado para comer, e isso me deixa ainda mais idignada com a espécie de sociedade que construímos; para ser sincera, chega a me dar asco.
Agora é assim: quem desejar saber que pague. Quer um estudo diferenciado? Pague. Quer conhecer o universo da informática? Pague. Quer aprender um novo idioma, um instrumento, uma forma nova de pintar guardanapos? Pague. Quer ouvir a orquestra sinfônica, ler um livro (seja de vampiros mequetrefes ou de quetsionamentos reflexivos), conhecer melhor a si mesmo com alguém que estudou anos o pensamento do homem? Pague. Pagar é poder.

terça-feira, 8 de junho de 2010

A saturação do amor - III

Chegamos ao fim da série. Na verdade, o que tentei fazer nos dois posts sobre a saturação do amor foi apontar a instabilidade e fragilidade dos laços humanos. Somos seres contraditórios, e isso não é totalmente ruim. As contradições geram dúvidas e estas proporcionam o aprimoramento dos indivíduos.

Em tempos de desorientação, devemos reconhecer algumas coisas. A primeira delas é que, no mundo moderno, o indivíduo é a medida de todas as coisas, é o centro do entendimento, é o indivíduo que se faz por si, constrói a si mesmo, é livre e ao mesmo tempo determinado. Depois, diante desse individualismo, o amor enquanto objeto simbólico encontra-se apagado. ofuscado. Existe uma dificuldade de se entregar ao outro.
Mas eu acredito, sinceramente, que a música Under Pressure, composta e interpretada por David Bowie - além da versão encantadora de Freddie Mercury - representa o meu parecer final desta série:

A insanidade sorri; sob pressão nós estamos pirando
E não podemos nos dar mais uma chance.
Por que não podemos dar ao amor mais uma chance?
Por que não podemos dar amor ...?
Porque amor é uma palavra tão fora de moda
E o amor desafia você a cuidar
Das pessoas no limite da noite
E o amor desafia você a mudar nosso modo de
Cuidar de nós mesmos
Esta é nossa última dança
Esta é nossa última dança
Trata-se de nós mesmos
Sob pressão
Sob pressão
Pressão.