terça-feira, 30 de março de 2010

Réplica: Sociologia para quê?

Clique Aqui para conferir o artigo publicado na revista Veja.

Para quem não perdeu tempo lendo uma reportagem da revista Veja esta semana, faz-se necessário dizer que esta produção textual é uma réplica ao artigo de Marcelo Bortoloti sobre a obrigatoriedade do ensino das disciplinas de Sociologia e Filosofia no Ensino Médio nas escolas de todo o país.
Minha análise começa no subtítulo da reportagem, que diz: “Agora obrigatórias no ensino médio brasileiro, as aulas de sociologia e filosofia abusam de conceitos rasos e tom panfletário. Matemática que é bom...”. Este subtítulo incompleto, digamos, faz sentido. Para uma pessoa esclarecida, não é necessário terminar; a posição do autor é clara. Durante a reportagem, a idéia que se tem da disciplina de Sociologia é a de que ela não faz sentido para o aluno. A minha pergunta é: O aluno vê sentido, aos 15 ou 16 anos, em aprender logaritmo? Para ele, isso também não faz o menor sentido, sem desmerecer a Matemática, pois ela tem importância fundamental para as pessoas, bem como as demais ciências. Normalmente, nada costuma fazer muito sentido para o aluno, seja logaritmo, seja cálculo estequiométrico, sejam verbos irregulares, seja a estrutura de um vírus, seja refletir sobre a sociedade. Isso nos faz pensar que talvez o problema da educação seja estrutural, e não individual, das disciplinas, mas do processo educativo como um todo.
No início do texto, o autor se posiciona: “A leitura atenta desse material traz à luz um festival de conceitos simplificados e de velhos chavões de esquerda que, os especialistas concordam, estão longe de se prestar ao essencial numa sala de aula: expandir o horizonte dos alunos”. Para começar, quem são esses especialistas? À que área pertencem? Além do mais, é evidente que a educação tem como princípio expandir o horizonte dos alunos, mas o objetivo primordial da Sociologia é a reflexão, pois nós – sociólogos “de verdade” – acreditamos que a Sociologia não propõe a solução de tudo (ou seja, ela não aponta onde está esse horizonte), mas sim o aperfeiçoamento das formas de se pensar e ver o mundo; propõe ao aluno que saiba fundamentar suas opiniões para que não se enquadrem ao senso comum.
Quanto às metas do currículo de cada estado, é cabível dizer que o material, de fato, não é dos melhores e pode até conter conceitos rasos e conteúdos supérfluos, mas se é verdade que a Sociologia enquanto ciência deve apresentar reflexões, como é que o Estado vai produzir um material que proporcione a reflexão de alguns problemas que ele mesmo gera? Quando o autor diz que a proposta explícita das aulas de Goiás (incrustar no aluno a idéia de que a constante diminuição de cargos em empresas do mundo capitalista é um fator estrutural do sistema econômico) “desconsidera o fato de que esse mesmo regime resultou em mais e melhores empregos no curso da história”, esquece-se de que no modo de produção capitalista, pela primeira vez na história, uma parcela do tempo do trabalhador passou a ser expropriada dele sem que ele soubesse (isso é a mais-valia), uma vez que em todos os modos de produção anteriores o homem tinha uma clara noção de sua posição e de sua exploração.
O autor também toca num ponto muito importante. Quando diz que os cursos de Filosofia e Sociologia se ancoram num ideário marxista e que, na verdade, estão cada vez mais distantes do rigor da complexidade do pensamento de Marx, precisamos analisar com cuidado. Quer dizer, o ideal é não generalizar o posicionamento desses cursos. Todos sabem que mesmo dentro dessas ciências, inclusive da História, encontramos indivíduos com tendências conservadoras. O importante na Sociologia, volto a dizer, é que esta reflexão dê fundamentos às pessoas, ou seja, que elas saibam defender seus referenciais. Quanto ao velho Marx, César Benjamin fez uma excelente colocação, ao dizer que “nunca foi tão necessário retornar a Marx. Um dos elementos de nossa crise teórica é o fato de que Marx continua sendo muito citado, mas é cada vez menos lido, tanto pelos que o atacam quanto pelos que pensam segui-lo”. A Sociologia, por ser muito complexa, demanda tempo para as leituras originais, para a compreensão profunda das teorias, tanto que se torna impossível ler todos os clássicos num período de graduação, mas ter consciência de tal fato já faz com que o cientista social tenha uma postura clara quanto às discussões que pode oferecer, seja ela de Marx, seja de outros pensadores.
A Sociologia, como é de se saber, não é exclusividade brasileira. Fundada na Europa e trazida para o Brasil (inclusive com o grande mestre que faleceu ano passado Claude Lévi-Strauss) primeiramente na USP, era de se esperar que algumas dificuldades fossem impedir seu desenvolvimento. Aqui a Sociologia não é reconhecida, mas nós, brasileiros, que temos o costume de acreditar que aquilo que vem de fora é melhor, deveríamos saber que no velho continente esta ciência é extremamente relevante para a produção do conhecimento.
No final do artigo, o autor salienta a falta de profissionais especializados para atuarem em sala de aula nesta disciplina. O que ele não deixa claro, porém, é que a educação – sobretudo a pública – é, indubitavelmente, um problema político, baseado em decisões que, como costumamos dizer, “vêm de cima”. Ele também não menciona que o país está absurdamente escasso de profissionais de todas as áreas. Faltam bons profissionais para todas as disciplinas. Não é à toa que muitos concluem o Ensino Médio com deficiências em leitura e escrita, que não possuem noções básicas de matemática aplicada no cotidiano e assim por diante. E devemos saber que este problema não é somente do aluno ou do educador. É algo intrínseco na estrutura do processo educativo, dominado por uma ideologia específica.
Falando em ideologia, não nos esqueçamos que o título do artigo é “Ideologia na cartilha”. A pretensão não é aprofundar a discussão sobre ideologia, mas Marx não estava enganado ao dizer que as idéias dominantes de uma sociedade são as idéias da classe dominante. Prova disso é que o próprio ensino de Sociologia não é conveniente para a classe dominante (aquela que vive do capital e não do trabalho), uma vez não é bom que as pessoas comecem a pensar desde as questões mais banais da sociedade até os problemas mais complexos estruturais para tomarem consciência daquilo que é necessário mudar.
O autor termina seu artigo da seguinte forma: “Em outros países da América Latina, esse tipo de iniciativa também costuma resvalar em aulas contaminadas pela ideologia de esquerda, preponderante nas escolas. Não será desse jeito que o Brasil dará o necessário passo rumo à excelência”. Para esta citação, Bortoloti deveria, no mínimo, apontar outro caminho, já que este é inútil. A Sociologia no Brasil também serve para reconhecermos que tanta desigualdade (nosso país, todos sabem, está entre os piores no aspecto de igualdade) não é questão de meritocracia, que o esforço não basta para vencer na vida quando já se está inserido em condições materiais que não fornecem oportunidades iguais a todos. Se não percebemos que a essência é ideológica num país em que a renda dos 10% mais ricos corresponde a 36 vezes à renda dos 40% mais pobres, só nos resta concordar com o alemão Max Weber, dono de uma coerência sem tamanho ao declarar que “neutro é quem já se decidiu pelo mais forte”.

sábado, 27 de março de 2010

Time

Porque André Matos e Rafael Bittencourt estavam certos:


Life makes us feel the time we cannot hold
Time makes us live a tale already told
Time makes us heal a feeling inside
a feeling that lies in our heart
that we stole away...

A vida nos faz sentir o tempo que não podemos prender
O tempo nos faz viver um conto já contado
O tempo nos faz curar um sentimento por dentro,
um sentimento que descansa em nosso coração
que nós roubamos...


O tempo me perturba!

terça-feira, 23 de março de 2010

Ser indivíduo: a mudança das instituições sociais e o sofrimento

O que nos define enquanto indivíduos?
Ser pessoa, ser sujeito. Não importa. Estamos falando precisamente do homem enquanto ser social. Sendo assim, existem duas dimensões para conseguirmos nos definir. A primeira é uma dimensão universal. Se é universal, é geral. Logo, segundo esta dimensão, somos todos iguais. Contraditoriamente, há uma dimensão singular. Se é singular, é peculiar, individual. Portanto, somos todos diferentes. Em função de quê? Do contexto sócio-histórico que cada um está inserido, do conjunto de experiências, que são as mais variadas de um indivíduo para outro. Não sejamos demagogos: este contexto sócio-histórico a que me refiro é determinante em nossa história.


Sociedade tradicional e sociedade contemporânea

Nas chamadas sociedades tradicionais – aquelas que antecedem fatos históricos que desencadeiam o período moderno, ou mesmo as comunidades que se sustentam até hoje à base das tradições como algo mais forte que as rápidas transformações – temos como sentido da existência (ou seja, aquilo que constitui a designação do homem enquanto sujeito) as instituições sólidas: Igreja, religião, a família, o trabalho. São instituições que representam o homem e seu contexto histórico e social e – por que não? – sua vida.
Na sociedade moderna e contemporânea, essas instituições, enquanto valores também, vão se diluir porque serão muito particulares, a começar pelo fato de que o passado tem pouco (ou nenhum) valor; há, sim, uma grande expectativa na ciência e uma fé inabalável no futuro. Afinal de contas, o homem passa a ser um valor universal e isso quer dizer que a vida é o que as pessoas fazem dela. Mas...


O que fazer da nossa vida?

É verdade que os referenciais sólidos se fragilizaram. A mudança brutal de instituições e valores na sociedade contemporânea trouxe novos horizontes, mas também trouxe novos problemas, novos sofrimentos ao ser humano. O que está em jogo nessas novas formas de sofrimento?
Se o homem por si só é um valor, isso nos remete à lógica do individualismo e nos dá o direito de contestar quaisquer outros valores. Quer dizer, devemos obediência a quem se estamos falando da soberania do indivíduo?
Acontece, porém, que o problema reside justamente nessa idéia de soberania, pois nos deparamos constantemente com uma sociedade que diz: “Olha, para ser soberano, para ser autônomo, é preciso ter iniciativa, é preciso que você tenha sucesso em tudo que fizer”. Mas quem consegue estar em autonomia plena o tempo todo? Quem consegue desenvolver todas as atividades e assumir tantos compromissos sem falhar ao menos uma vez? Somos seres humanos. Somos frágeis e imperfeitos. Será que não poderíamos pensar que a epidemia de depressão presente na sociedade hoje é a expressão do fracasso imaginário que diz que devemos ser bem sucedidos? Se isso é verdade, não podemos dizer que temos uma predominância de um falso humanismo (humanismo enquanto corrente filosófica que gera o antropocentrismo e a valorização do homem) uma vez que deveríamos valorizar o ser humano e não o individualismo e o sucesso a qualquer custo?


"Apoio intelectual" do programa Café Filosófico

domingo, 21 de março de 2010

Minha jangada vai sair pro mar...



Tem uma frase do Sêneca que diz: “Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida”. Ela me lembra diretamente o contexto da Ditadura Militar. O que eu imagino é que cada dia de sobrevivência no DEOPS era o começo de uma nova vida, cheia de esperança; a liberdade mais próxima do que nunca.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Rascunho de Thoreau

Henry David Thoreau consegue dizer precisamente aquilo que me falta em diversos momentos. E matou praticamente todas as questões ao dizer que "mais que amor, dinheiro e fama, dai-me a verdade. Sentei-me a uma mesa em que a comida era fina, os vinhos abundantes e o serviço impecável, mas faltavam sinceridade e verdade e fui-me embora do recinto inóspito, sentindo fome. A hospitalidade era fria como os sorvetes."

Na íntegra:


Mais que amor, dinheiro e fama, dai-me a verdade.
Sentei-me a uma mesa onde a comida era fina, os vinhos abundantes e o serviço impecável, mas onde faltavam sinceridade e verdade, e com fome me fui embora do inóspito recinto. A hospitalidade era fria como os sorvetes. Pensei que nem havia necessidade de gelo para conservá-los. Gabaram-me a idade do vinho e a fama da safra, mas eu pensava num vinho muito mais velho, mais novo e mais puro, de uma safra mais gloriosa, que eles não tinham e nem sequer podiam comprar.
O estilo, a casa com o terreno em volta e o entretenimento não representam nada para mim. Visitei o rei, mas ele deixou-me à espera no vestíbulo, comportando-se como um homem incapaz de hospitalidade.
Na minha vizinhança havia um homem que morava no oco de uma árvore e cujas maneiras eram régias. Teria feito bem melhor visitando-o a ele.
Até quando nos sentaremos nós nos nossos alpendres a praticar virtudes ociosas e bolorentas, que qualquer trabalho tornaria descabidas? É como se alguém começasse o dia com paciência, contratasse alguém para lhe sachar as batatas, e de tarde saísse para praticar a mansidão e a caridade cristãs com bondade premeditada!

quinta-feira, 18 de março de 2010

A liberdade e sua falsa idéia de plenitude

Se tem algo que muito me incomoda é a mania de certas pessoas acharem que esta sociedade é livre, que vivemos numa “democracia” que nos possibilita escolher representantes, que cada um pode fazer o que quiser, comprar o que bem entender, escolher como viver. Enfim, é como se a liberdade fosse uma idéia anterior aos indivíduos e estivesse constituída na consciência coletiva.

Poderia dizer simplesmente que isto está errado e ponto final. Ou poderia dar explicações para não concordar, e aí os caminhos são muitos. Poderia pensar nesse processo de forma ideológica, pois segundo Carlos Will Ludvig, “a ideologia pode ser entendida como um conjunto de representações, valores, concepções e regras de comportamento que prescrevem aos indivíduos o que e como devem pensar, sentir e agir, seja para manter determinada situação, o que é mais comum, seja para mudá-la, o que é menos freqüente.” No entanto, apesar de todo o universo – cultural, simbólico e material – estar representado numa corrente ideológica, iria muito mais além, e buscaria o conflito entre Hegel e Marx, cuja questão primordial baseia-se na dicotomia infraestrutura e superestrutura. A primeira é representada pela força econômica e relações materiais de produção, ao passo que a segunda comporta instâncias jurídicas e ideológicas. Neste conflito, uma das estruturas deve dominar a outra, deve ser o alicerce de todas as outras relações existentes.
Não consigo, por motivos dialéticos, fazer uma dissociação entre ambas, mas não posso negar que estou num momento em que se faz necessário e prudente acreditar que são nossas condições materiais que determinam como vamos viver, o meio ao qual estamos inseridos condiciona nossas escolhas. Aí volto na questão inicial: se cada um realmente é livre para tudo e com muito esforço podemos ter aquilo que desejarmos, por que estou andando a pé e não de Ferrari? Por que minhas férias são em Poços de Caldas e não em São Petersburgo? Trata-se somente de escolhas minhas? Ou será que há algo muito maior e forte sobre nossas vontades?
Enfim, quis escrever isso (apenas isso) somente para dizer que, olhando alguns livros, achei uma frase escrita à caneta e achei absurda: Todo homem tem o direito de decidir sobre seu próprio destino e nesse juízo não há parcialidades.
Vamos esclarecer, Bob Marley: Não há imparcialidade em momento algum de nossa história. Não há neutralidade em nenhuma decisão, em nenhum conhecimento. Mas não podemos decidir realmente nosso próprio destino (a começar pelo fato de não acreditar que isso exista), uma vez que um homem pode escolher não trabalhar, mas consequentemente não poderá escolher entre a fome ou a fartura.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Uma nova introdução

Estava tudo certo para o BOOM. Quer dizer, estava garantido que nos confins de um lugar que se julga moderno e inovador surgiria aquela que viria descontruir a realidade. Iconoclasta? Desprovida de bom senso? Não se sabe ao certo. O fato é que o pouco que havia escrito (um esboço) seria eliminado da pior forma: com apenas um clique. Por quê? Simples: porque a proposta da modernidade é construir para destruir, erguer para colocar abaixo logo em seguida. Resumindo: começar novamente. Faltou coragem para tal ato.
Quão grande foi sua surpresa ao ver que um único ser havia deixado rastros naquilo que já era considerado passado. Mas, por respeito e com a finalidade de preservar a memória, não teve uma atitude extremamente comum dos enquadrados nos padrões modernos: não deletou para digitar.
Mas que tudo isso significa então? Outra vez a resposta é simples: que ela - considerada A ELEITA - está mais viva e disposta do que nunca a desconstruir tudo aquilo que ousar a barrar seus pensamentos, seus gestos, seu próprio ser.