Gosto de falar sobre o tempo, especialmente porque este ano tenho me dedicado a leituras que envolvem esta coisa misteriosa, enigmática e, obviamente, precisa (lembrando que a precisão do tempo é uma invenção moderna)¹.
Hoje tenho uma notícia não muito agrdável. Nós matamos o tempo. Matamos, enterramos e esquecemos que ele existiu um dia. O que é o tempo? Pergunte isso para qualquer pessoa, e será possível perceber que ele se tornou uma abstração, desconectado da história e da vida.
Alguns poderão dizer que o tempo equivale a dinheiro, um velho jargão. Outros ainda poderão afirmar que quem controla o tempo possui um enorme poder nas mãos. No entanto, dificilmente surgirá uma resposta satisfatória, e isso tem uma explicação racional e precisa.
A história nos mostrou - e provou! - que se usarmos o tempo a nosso favor, podemos conquistar terras mais rapidamente, explorar e dominar lugares e povos. O importante é estar atento e ser ágil. Com os homens, o pensamento não é muito diferente: se o indivíduo souber administrar o tempo, ele poderá fazer mais coisas em menos tempo. E o erro nasceu aí. Pode até ser que mais coisas possam ser realizadas num intervalo de tempo menor, mas isso só é motivo para arrumar outros compromissos e outras coisas para fazer, até todo o tempo estar preenchido e as frestas que restarem serem usadas para a respiração - para poder continuar vivendo e assumir mais e mais atividades.
A má notícia é que como as pessoas não podem ficar paradas, tudo deve ser feito rápido, quase que instantâneo. Não existe uma pausa para reflexão. Paciência é uma palavra ligeiramente desconhecida. Tomemos como exemplo os fast-foods², a internet e sua velocidade de se conectar com o mundo em segundos, as corridas arriscadas dos motoboys (engana-se quem pensa que eles correm porque gostam de se aventurar no trânsito desorientado). Tudo isso é para nos atender agora, instantaneamente. Por isso que eu falo em aniquilação do tempo: se este venceu o espaço ao lado das técnicas que permitem a velocidade e rapidez em tudo, nós destruímos a duração e elegemos o instante. Não existe mais tempo, existe apenas fragmentos de tempo, um momento que logo em seguida é substituído por outro para, claro, encaixar com a lógica que colocamos na cabeça: fazer uma coisa, terminar ou não a mesma, e inicar outra logo em seguida.
Será que vale a pena viver aniquilando o tempo e não desfrutar os prazeres longos, profundos e intensos da vida? Será que manter-se sempre ocupado realmente faz bem para o corpo e para a mente? Por que não renunciar o ritmo alucinado e estonteante para viver melhor e aproveitar mais tudo que for possível (ainda que seja necessário abrir mão de algumas coisas e que confiemos no poder de uma escolha consciente)? Afinal, o tempo é o tecido de nossas vidas.
Notas:
1 - Citarei três formas de se conceber o tempo, de forma muito resumida. Na Antiguidade, o tempo do homem se relaciona com o tempo da natureza, da agricultura. No período medieval, também, mas o tempo social é regido principalmente pela Igreja. Somente na modernidade é que os relógios de pontiros que marcam o tempo com precisão surgem poderosamente.
2 - Fast-food não é só Mc Donald's. Qualquer comida industrial, seja miojo, enlatados ou produtos que ficam prontos em alguns minutos abrangem o conceito de fast-food. A comida que nós mesmos elaboramos (massa, tempero, recheio e etc) demanda tempo, e então não se enquadra no padrão das comidas rápidas e superficiais.