quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A respeito da cultura

O que significa cultura? Quantas vezes me deparei com esta reflexão... 
Um professor de Física poderia dizer - corretamente - que a resposta depende do referencial, neste caso, do ponto de vista. Justamente por isso, façamos a seguinte observação. Os meios de comunicação em geral - jornais, programas de televisão, sites da internet - e mesmo as instituições de ensino utilizam constantemente a palavra cultura. No entanto, ela pode ser entendida de diferentes maneiras e nem sempre esses meios de comunicação a compreendem da mesma forma e querem transmitir a mesma coisa.
Como exemplo, podemos relacionar o conceito de cultura do século XVII à proliferação material da vida, ou seja, a um processo, ação e evolução de algum fenômeno. De forma objetiva, a cultura de alguma coisa. Em determinados contextos, este significado não só é válido como também é profícuo. Quantas vezes não se ouve ainda, sobretudo em História, "cultura da cana-de-açúcar", "cultura do café"?
Embora o exemplo citado talvez passe raras vezes na mente de um indivíduo que se proponha a pensar o que é cultura, a partir dele é possível estabelecer um ponto de partida: a cultura abrange modos de organização, tendências, preceitos e reprodução da vida. Resumindo, é tudo o que o homem faz: falar, comer, vestir, morar, trabalhar, comunicar-se, rezar e assim por diante. Tudo isso não é cultural? Claro que é, porque é premissa básica da existência de qualquer povo que queira se afirmar como tal; são necessárias a propagação e reprodução de um determinado "estilo de vida".
Esta definição poderia ser suficiente, não fosse a complexidade que este conceito possui. Assim como poucos pensariam em definí-lo como a cultura de alguma coisa - escrito no terceiro parágrafo - , muitos provavelmente definiriam a cultura através das práticas e dos costumes de classes sociais, de grupos étnicos, instituições, organizações, tribos urbanas, manifestações artísticas, etc. Claro que esta abrangência é extremamente válida numa sociedade que se encontra fracionada por ideologias, rendas, grupos e outras diferenças (e assim as diversas práticas seriam apenas tentáculos do conceito). O problema, porém, reside no fato desta definição levar à dimensão mais habitual que encontramos acerca da noção de cultura, uma dimensão em que muitas práticas educacionais, jornalísticas, políticas e econômicas estão estabelecidas: a cultura refletida como uma classificação e atribuição de valores dos produtos artísticos e simbólicos, como o teatro, a pintura, a música, a literatura, o cinema e outros artefatos que são produzidos e consumidos socialmente.
Por que isto poderia ser, de fato, um problema? Porque a consequência de se pensar a cultura desta forma - como a mídia em geral transmite - é que a possibilidade de acesso a esses produtos está inclusa neste pacote.  Dependendo do nível de contato com esses bens, de acesso aos programas, determina-se o quanto alguém tem "mais cultura" que o outro. O que não é dito e nem refletido é que a cultura, nesse sentido, traz consigo a exclusão daqueles que não possuem acesso aos "bens culturais" por uma questão educacional e estrutural - econômica. Afinal, eles não podem consumir o ingresso do teatro, por exemplo, mas nem por isso deixam de ser produtores de cultura. Além disso, quanto mais se trabalha com o termo cultura nesta linha, mas se agrava o equívoco dos produtos artísticos e simbólicos que são consumidos: teatro, pintura, música, literatura, etc., estão principalmente no espaço artístico. E a arte é manifestação cultural, e não a cultura em si.
Se este equívoco for superado, se passarmos a entender claramente que tudo o que o homem faz é cultural, inclusive a sua própria organização da vida e a maneira como ela é reproduzida, poderemos afirmar que todos são capazes de gerar cultura, independente de classe, raça, cor e sexo (embora algumas criações sejam realmente bem específicas de determinados grupos). Somente pensando deste modo, poderemos compreender o massacre e a reinvenção da cultura.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Espaço e sociedade: um intercâmbio consumista e delineado

O texto abaixo eu escrevi há um tempo, mas tem a ver com os assuntos que são discorridos neste blog, especialmente sobre o estilo de vida "moderno". Ele engloba várias questões, inclusive uma que está chegando na globo (com letra minúscula, sim) em sua décima-não-sei-qual temporada. 


Nada é orgânico, é tudo programado. E eu achando que tinha me libertado...

Sociedade de controle. Ditadura da beleza. Geração de botões. Se essas denominações representam muito bem nossa sociedade atualmente, já é possível notar que a idéia de liberdade e democracia plenas não é verdadeira e não condiz com a realidade propriamente dita, apesar de assistirmos, a cada dia, à mais nova ilusão criada pela mídia e pelo mercado de consumo.

Não há dúvidas de que somos socializados pela imagem; esta é, incontestavelmente, a afirmação do discurso predominante na sociedade, aquele que nos diz o que fazer, como agir, o que ter e o que ser, como condições necessárias para garantirmos nossa felicidade. Portanto, a concepção de que nossa subjetividade é capturada não só é válida, como se faz presente em diversos aspectos da vida.
Somos escravizados pelos padrões de beleza que nos são impostos. São tantas as propagandas afirmando que o mundo cai aos pés das mulheres consideradas lindas que o mercado só tem a ganhar ao difundir esses ideais, pois a lógica do consumo só consegue sobreviver enquanto houver pessoas insatisfeitas e dispostas a pagar – muitas vezes – o preço mais caro para tentar atingir determinado padrão.
Tudo se trata de uma questão óbvia, que é o culto à beleza efêmera (uma vez que não se tem valores sólidos) e sua ligação com o tempo irrefletido.
Mas esta relação entre consumo e mídia não termina aí. Ela perpassa por todos os produtos que temos à disposição. Não há o que esconder: o propósito, a finalidade do mercado é o apego ao lucro sem critérios específicos. O cerne da questão está no fetiche da mercadoria; consumir torna-se algo extremamente prazeroso (e perigoso) que a graça está justamente na satisfação do desejo de comprar, independentemente do que foi consumido ter ou não alguma utilidade.
A publicidade tornou-se uma arma potente. A mídia, em geral, é capaz de nos apresentar algo de que não precisamos, inserindo nesses produtos tudo o que nos falta, todas as qualidades que completam necessidades subjetivas formadoras da personalidade e na vida cotidiana, como poder, coragem, ousadia, charme, capacidade de decisão, sensualidade... Enfim, valores e atributos apropriados para nos tornarem indivíduos com sucesso na vida profissional, afetiva e assim por diante.
Se por um lado o mercado não descansa, do outro se tem o investimento maciço em venda de ilusões. Outra estratégia é a superexposição do privado; somos vigiados constantemente. Esta vigilância se faz presente para nos lembrar, a todo o momento, de que alguém está de olho em nossas ações, o que fazemos ou deixamos de fazer é socializado com todos.
É por isso que a privacidade virou um espetáculo. O sentido dessa exposição deveria trazer algo lucrativo para alguém. Dito e feito. Não bastassem as câmeras nos elevadores, condomínios, lojas, ruas (primeiro com a justificativa de segurança, como se o espaço privado que se tornou público fosse mera conseqüência), os realities shows vieram a todo vapor, com a proposta de sucesso garantido àqueles que estivessem dispostos a compartilhar os momentos mais íntimos de seu cotidiano. 
Isso é de uma seriedade sem tamanho. Mais uma vez a subjetividade foi apreendida. Uma vez que se está conectado por câmeras, o indivíduo muda. A vida é outra, não há espontaneidade, pois todos os gestos passam a ser calculados e a pessoa se torna um pacote aberto por outras.
Há ainda uma última observação no que concerne ao domínio de espaços, que são os limites do espaço real e virtual. O mundo virtual toma conta do espaço real e é como tal: tem todo tipo de gente. Gente revoltada e sossegada, gente interesseira e interessante, felizes e insatisfeitos, inteligentes e ignorantes, sãos e insanos, pesquisadores e procurados, trabalhadores e desocupados. A lista é interminável! E pode apostar: todos não estão ligados à toa nos espaços. O problema é que eles se misturam e se confundem, enganam os outros e a nós mesmos, a ponto de não sabermos exatamente para quê, para quem e em que espaço estamos vivendo, trabalhando, respirando, pensando e fazendo sexo.
Tudo se confunde. Não há foco específico. Histórias importantes se perdem. E nós – que pensamos nestas questões – sabemos por quê.