O que significa cultura? Quantas vezes me deparei com esta reflexão...
Um professor de Física poderia dizer - corretamente - que a resposta depende do referencial, neste caso, do ponto de vista. Justamente por isso, façamos a seguinte observação. Os meios de comunicação em geral - jornais, programas de televisão, sites da internet - e mesmo as instituições de ensino utilizam constantemente a palavra cultura. No entanto, ela pode ser entendida de diferentes maneiras e nem sempre esses meios de comunicação a compreendem da mesma forma e querem transmitir a mesma coisa.
Como exemplo, podemos relacionar o conceito de cultura do século XVII à proliferação material da vida, ou seja, a um processo, ação e evolução de algum fenômeno. De forma objetiva, a cultura de alguma coisa. Em determinados contextos, este significado não só é válido como também é profícuo. Quantas vezes não se ouve ainda, sobretudo em História, "cultura da cana-de-açúcar", "cultura do café"?
Embora o exemplo citado talvez passe raras vezes na mente de um indivíduo que se proponha a pensar o que é cultura, a partir dele é possível estabelecer um ponto de partida: a cultura abrange modos de organização, tendências, preceitos e reprodução da vida. Resumindo, é tudo o que o homem faz: falar, comer, vestir, morar, trabalhar, comunicar-se, rezar e assim por diante. Tudo isso não é cultural? Claro que é, porque é premissa básica da existência de qualquer povo que queira se afirmar como tal; são necessárias a propagação e reprodução de um determinado "estilo de vida".
Esta definição poderia ser suficiente, não fosse a complexidade que este conceito possui. Assim como poucos pensariam em definí-lo como a cultura de alguma coisa - escrito no terceiro parágrafo - , muitos provavelmente definiriam a cultura através das práticas e dos costumes de classes sociais, de grupos étnicos, instituições, organizações, tribos urbanas, manifestações artísticas, etc. Claro que esta abrangência é extremamente válida numa sociedade que se encontra fracionada por ideologias, rendas, grupos e outras diferenças (e assim as diversas práticas seriam apenas tentáculos do conceito). O problema, porém, reside no fato desta definição levar à dimensão mais habitual que encontramos acerca da noção de cultura, uma dimensão em que muitas práticas educacionais, jornalísticas, políticas e econômicas estão estabelecidas: a cultura refletida como uma classificação e atribuição de valores dos produtos artísticos e simbólicos, como o teatro, a pintura, a música, a literatura, o cinema e outros artefatos que são produzidos e consumidos socialmente.
Por que isto poderia ser, de fato, um problema? Porque a consequência de se pensar a cultura desta forma - como a mídia em geral transmite - é que a possibilidade de acesso a esses produtos está inclusa neste pacote. Dependendo do nível de contato com esses bens, de acesso aos programas, determina-se o quanto alguém tem "mais cultura" que o outro. O que não é dito e nem refletido é que a cultura, nesse sentido, traz consigo a exclusão daqueles que não possuem acesso aos "bens culturais" por uma questão educacional e estrutural - econômica. Afinal, eles não podem consumir o ingresso do teatro, por exemplo, mas nem por isso deixam de ser produtores de cultura. Além disso, quanto mais se trabalha com o termo cultura nesta linha, mas se agrava o equívoco dos produtos artísticos e simbólicos que são consumidos: teatro, pintura, música, literatura, etc., estão principalmente no espaço artístico. E a arte é manifestação cultural, e não a cultura em si.
Se este equívoco for superado, se passarmos a entender claramente que tudo o que o homem faz é cultural, inclusive a sua própria organização da vida e a maneira como ela é reproduzida, poderemos afirmar que todos são capazes de gerar cultura, independente de classe, raça, cor e sexo (embora algumas criações sejam realmente bem específicas de determinados grupos). Somente pensando deste modo, poderemos compreender o massacre e a reinvenção da cultura.