Já escrevi neste blog que o Brasil é o país do futebol. A pretensão desta vez é falar de novo sobre o esporte mais praticado no país, mas com alguns questionamentos que surgiram depois de ler um artigo do antropólogo Marcos Altivo referente à elitização do futebol e sua suposta modernização, e que vou aproveitar para falar de obras de estádios pelo Brasil afora, que trazem consigo a expulsão (já nem se pode falar em exclusão) de torcedores pobres e outros aspectos para serem refletidos.
Para a Copa de 2014, estão previstos vários projetos de reformas nas cidades-sedes escolhidas. No site O Portal (clique aqui) é possível conferir como tendem a ficar os estádios que vão sediar os jogos do evento. Para se ter uma ideia, veja as estimativas que custarão aos cidadãos (inclui obras internas e nos arredores dos estádios):
Estádio Vivaldo Lima (Manaus): R$ 500 milhões.
Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi (São Paulo): R$ 180 milhões.
Estádio Governador Plácido Castelo (Fortaleza): R$ 300 milhões.
Estádio José Pinheiro Borda (Porto Alegre): R$ 150 milhões.
Estádio Mané Garrincha (Brasília): R$ 522 milhões.
Estádio Jornalista Mário Filho, o Maracanã (Rio de Janeiro): R$ 460 milhões.
Estádio Governador José Fragelli (Cuiabá): R$ 350 milhões.
Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão (Belo Horizonte): não divulgado.
Estádio Arena das Dunas (Natal): R$ 300 milhões.
Estádio Otávio Mangabeira (Salvador): R$ 231 milhões.
Estádio Arena da Baixada (Curitiba): R$ 140 milhões.
Estádio Cidade da Copa (Recife): R$ 1,6 bilhão (inclui construção de estádio, conjunto habitacional, centro comercial e hotel).
Com essas mudanças, não restam muitas dúvidas. Na própria feira internacional de negócios no futebol, a Soccerex - ocorrida em novembro no Rio de Janeiro - vários "especialistas" comentaram sobre a elitização do futebol (estes, claro, mostrando-se favoráveis), ficando em segundo plano o acesso das classes B e C, haja vista que aqueles que apresentam condições estruturais e financeiras ainda mais dramáticas há muito não sabem o que é sentar numa arquibancada.
Um dos fatores para se atingir tal nível de elitização e privilegiar a high society consiste no aumento do preço do ingresso: "Em Santa Catarina, o Avaí aumentou em 50% o preço dos ingressos neste ano, passando de R$ 40 para R$ 60. No Paraná, o recém-promovido Coritiba já anunciou que aqueles que não aderirem a seu plano de sócio torcedor terão que desembolsar R$ 100 pelo ingresso avulso. Não é de se admirar que a média de público do campeonato brasileiro em 2010 tenha sido ridiculamente baixa: 14.839 pagantes. Isso é menos que a média do campeonato alemão de segunda divisão", afirmou Marcos Altivo.
Além dos preços quase astronômicos para grande parte da população brasileira, o futebol virou espetáculo midiático atrelado a outro espetáculo, que é o publicitário. Assim, uma rede de televisão (nem preciso dizer qual) que consegue monopolizar todo um campeonato e suas transmissões ao vivo consegue ter lucros exorbitantes, inclusive através do sistema "pay-per-view". Explicando de outra forma, através da monopolização de transmissão de jogos, o torcedor incapacitado de ir ao estádio, seja pelo valor do ingresso ou mesmo pela distância, muitas vezes se vê obrigado a adquirir um canal pago da televisão caso queira acompanhar todos os jogos de seu time (a minha recusa, por exemplo, está no fato de acompanhar o placar via internet, mesmo que me falte a parte visual).
É importante não perder de vista que esse processo de expulsão dos torcedores menos favorecidos ocorre de forma consciente e planejada. "Ainda em 2004, o então presidente do Atlético Paranaense já afirmava que 'o clube não precisa mais de torcedores, e sim de apreciadores do espetáculo'. Dentro dessa filosofia, proibiu a entrada de torcedores com bandeiras, tambores, faixas e camisas de torcidas organizadas. Por baixo de uma nuvem midiática vendendo a ideia de que estaria ocorrendo uma modernização do futebol brasileiro, o dinheiro do cidadão pobre financia, via impostos, sua própria expulsão. É um processo de Robin Hood ao contrário...", alegou Altivo.
De fato, parece piada falar em modernização do futebol contemporâneo, a começar pela própria estrutura política das organizações dos clubes e da própria CBF, que mais parece arcaica, medieval, praticamente feudal.
Dentro da sessão "Feudos, cavaleiros medievais, senhores e servos" podemos citar também a manipulação da venda de ingressos, que sempre param nas mãos de cambistas e que omite a renda verdadeira do jogo através de um sistema repleto de obscuridades, mas que sempre se atenta a beneficiar empresas que fabricam os ingressos, isso para não falar nos bandidos de terno, ou cartolas corruptos, se assim preferir.
Ainda nesta sessão, a vigilânica, o policiamento e a punição se dão de que modo? Esta pergunta eu nem preciso responder; todos sabem como funciona desde sempre. Para notarmos como essas mudanças que estão ocorrendo no futebol brasileiro podem ser chamadas de modernas... Pensando bem, esta parte podemos colocar nas eras geológicas mais antigas.
Quando eu escrevi, na época da Copa do Mundo deste ano, que o Brasil é o país do futebol, disse o seguinte: "Que o Brasil é o país do futebol, não há dúvidas, apesar do esporte não ter surgido por aqui. Em qualquer lugar que se anda é possível encontrar um estabelecimento de futebol society, um gramado, uma quadra não muito bem estruturada ou até mesmo uma rua improvisada que sirva de campo, tendo ou não areia, asfalto ou grama. Enfim, treinando em clubes ou na rua perto de casa, por onde se passa, aqui tem futebol". Claro que é isso mesmo que presenciamos em quase todos os lugares que passamos ao longo da vida, mas já que o assunto é a suposta modernização do esporte, Altivo também afirmou que " a parte menos moderna é o sistema de formação de jogadores. Milhões de jovens brasileiros sonham ser jogador de futebol. Poucos vão se tornar profissionais e, entre estes, pouquíssimos vão ganhar os altos salários que povoam o imaginário das classes populares". Pois é. Quantos são iludidos com os sonhos e promessas de um futuro e vida mais dignos caso se tornem profissionais de bola? Ao menos um cada quarteirão da sua cidade, chutando baixo.
Infelizmente esta arte e cultura popular criada e mantida por muitas gerações chegou ao fim e se tornou elitista e perversa, principalmente porque está sendo financiada com dinheiro público, do povo, e beneficia poucos. Este é o primeiro mandamento do futebol-mercadoria: dai aos ricos o futebol.