quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Brasil: um país desigual. Até no futebol?!

Já escrevi neste blog que o Brasil é o país do futebol. A pretensão desta vez é falar de novo sobre o esporte mais praticado no país, mas com alguns questionamentos que surgiram depois de ler um artigo do antropólogo Marcos Altivo referente à elitização do futebol e sua suposta modernização, e que vou aproveitar para falar de obras de estádios pelo Brasil afora, que trazem consigo a expulsão (já nem se pode falar em exclusão) de torcedores pobres e outros aspectos para serem refletidos.
Para a Copa de 2014, estão previstos vários projetos de reformas nas cidades-sedes escolhidas. No site O Portal (clique aqui) é possível conferir como tendem a ficar os estádios que vão sediar os jogos do evento. Para se ter uma ideia, veja as estimativas que custarão aos cidadãos (inclui obras internas e nos arredores dos estádios):

Estádio Vivaldo Lima (Manaus): R$ 500 milhões.
Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi (São Paulo): R$ 180 milhões.
Estádio Governador Plácido Castelo (Fortaleza): R$ 300 milhões.
Estádio José Pinheiro Borda (Porto Alegre): R$ 150 milhões.
Estádio Mané Garrincha (Brasília): R$ 522 milhões.
Estádio Jornalista Mário Filho, o Maracanã (Rio de Janeiro): R$ 460 milhões.
Estádio Governador José Fragelli (Cuiabá): R$ 350 milhões.
Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão (Belo Horizonte): não divulgado.
Estádio Arena das Dunas (Natal): R$ 300 milhões.
Estádio Otávio Mangabeira (Salvador): R$ 231 milhões.
Estádio Arena da Baixada (Curitiba): R$ 140 milhões.
Estádio Cidade da Copa (Recife): R$ 1,6 bilhão (inclui construção de estádio, conjunto habitacional, centro comercial e hotel).

Com essas mudanças, não restam muitas dúvidas. Na própria feira internacional de negócios no futebol, a Soccerex - ocorrida em novembro no Rio de Janeiro - vários "especialistas" comentaram sobre a elitização do futebol (estes, claro, mostrando-se favoráveis), ficando em segundo plano o acesso das classes B e C, haja vista que aqueles que apresentam condições estruturais e financeiras ainda mais dramáticas há muito não sabem o que é sentar numa arquibancada.
Um dos fatores para se atingir tal nível de elitização e privilegiar a high society consiste no aumento do preço do ingresso: "Em Santa Catarina, o Avaí aumentou em 50% o preço dos ingressos neste ano, passando de R$ 40 para R$ 60. No Paraná, o recém-promovido Coritiba já anunciou que aqueles que não aderirem a seu plano de sócio torcedor terão que desembolsar R$ 100 pelo ingresso avulso. Não é de se admirar que a média de público do campeonato brasileiro em 2010 tenha sido ridiculamente baixa: 14.839 pagantes. Isso é menos que a média do campeonato alemão de segunda divisão", afirmou Marcos Altivo.
Além dos preços quase astronômicos para grande parte da população brasileira, o futebol virou espetáculo midiático atrelado a outro espetáculo, que é o publicitário.  Assim, uma rede de televisão (nem preciso dizer qual) que consegue monopolizar todo um campeonato e suas transmissões ao vivo consegue ter lucros exorbitantes, inclusive através do sistema "pay-per-view". Explicando de outra forma, através da monopolização de transmissão de jogos, o torcedor incapacitado de ir ao estádio, seja pelo valor do ingresso ou mesmo pela distância, muitas vezes se vê obrigado a adquirir um canal pago da televisão caso queira acompanhar todos os jogos de seu time (a minha recusa, por exemplo, está no fato de acompanhar o placar via internet, mesmo que me falte a parte visual).
É importante não perder de vista que esse processo de expulsão dos torcedores menos favorecidos ocorre de forma consciente e planejada. "Ainda em 2004, o então presidente do Atlético Paranaense já afirmava que 'o clube não precisa mais de torcedores, e sim de apreciadores do espetáculo'. Dentro dessa filosofia, proibiu a entrada de torcedores com bandeiras, tambores, faixas e camisas de torcidas organizadas. Por baixo de uma nuvem midiática vendendo a ideia de que estaria ocorrendo uma modernização do futebol brasileiro, o dinheiro do cidadão pobre financia, via impostos, sua própria expulsão. É um processo de Robin Hood ao contrário...", alegou Altivo.
De fato, parece piada falar em modernização do futebol contemporâneo, a começar pela própria estrutura política das organizações dos clubes e da própria CBF, que mais parece arcaica, medieval, praticamente feudal.
Dentro da sessão "Feudos, cavaleiros medievais, senhores e servos" podemos citar também a manipulação da venda de ingressos, que sempre param nas mãos de cambistas e que omite a renda verdadeira do jogo através de um sistema repleto de obscuridades, mas que sempre se atenta a beneficiar empresas que fabricam os ingressos, isso para não falar nos bandidos de terno, ou cartolas corruptos, se assim preferir.
Ainda nesta sessão, a vigilânica, o policiamento e a punição se dão de que modo? Esta pergunta eu nem preciso responder; todos sabem como funciona desde sempre. Para notarmos como essas mudanças que estão ocorrendo no futebol brasileiro podem ser chamadas de modernas... Pensando bem, esta parte podemos colocar nas eras geológicas mais antigas.
Quando eu escrevi, na época da Copa do Mundo deste ano, que o Brasil é o país do futebol, disse o seguinte: "Que o Brasil é o país do futebol, não há dúvidas, apesar do esporte não ter surgido por aqui. Em qualquer lugar que se anda é possível encontrar um estabelecimento de futebol society, um gramado, uma quadra não muito bem estruturada ou até mesmo uma rua improvisada que sirva de campo, tendo ou não areia, asfalto ou grama. Enfim, treinando em clubes ou na rua perto de casa, por onde se passa, aqui tem futebol". Claro que é isso mesmo que presenciamos em quase todos os lugares que passamos ao longo da vida, mas já que o assunto é a suposta modernização do esporte, Altivo também afirmou que " a parte menos moderna é o sistema de formação de jogadores. Milhões de jovens brasileiros sonham ser jogador de futebol. Poucos vão se tornar profissionais e, entre estes, pouquíssimos vão ganhar os altos salários que povoam o imaginário das classes populares". Pois é. Quantos são iludidos com os sonhos e promessas de um futuro e vida mais dignos caso se tornem profissionais de bola? Ao menos um cada quarteirão da sua cidade, chutando baixo.
Infelizmente esta arte e cultura popular criada e mantida por muitas gerações chegou ao fim e se tornou elitista e perversa, principalmente porque está sendo financiada com dinheiro público, do povo, e beneficia poucos. Este é o primeiro mandamento do futebol-mercadoria: dai aos ricos o futebol.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Voltando ao projeto moderno

Se tem um período que eu adoro discutir é a Era moderna. Isso mesmo, aquela que todo mundo estuda um pouco na escola. Desde seus primórdios até os dias de hoje, estudar a modernidade e não discutir o processo de racionalização é missão impossível. Com isso, não estou dizendo que só existe uma vertente para realizar boas análises deste período, que seria pela racionalização, mas quero dizer que esta é um elemento de análise extremamente importante porque representa o espírito do contexto social, econômico, político e do próprio homem imerso nesse momento da história.
Se você procurar no dicionário o significado do verbo racionalizar, encontrará mais ou menos o seguinte significado, de forma concisa: tornar racional. E quando estudamos a modernidade, é possível perceber que ela necessariamente passou por um processo de racionalização; o projeto moderno elaborado (eu diria que até improvisado) pelo grupo que assumiu o poder nesse período - a burguesia - estava pautado na ordem, no desmanche de tudo que o homem já havia criado, inclusive as próprias instituições, para instaurar definitivamente uma nova ordem e uma nova sociedade. 
Weber pensou muito na questão da racionalidade instrumental como princípio operativo da civilização moderna, ou seja, no modo de realizar este processo de ordem. Dentro do conjunto de conceitos de ações da linha weberiana, este tipo de atitude ou ação da modernidade está classificada como uma ação racional com relação a um objetivo (em alemão Zweckrational), tendo em vista que os instrumentos utilizados para estabelecer tal ordem foram racionalizados, calculados e planejados.
Não creio que hoje seja possível afirmar que ainda vivemos na concretização deste projeto. Para os que já leram outras postagens, defendo a hipótese de que realmente muitas coisas fogem ao nosso controle. Isso, no entanto, não quer dizer que o objetivo nunca foi atingido. Muito ao contrário: quer um exemplo de ordem mais poderoso que o fordismo? Particularmente desconheço.
Justificando este post, quis escrever um pouco sobre a racionalização porque na última sexta-feira, ocorreu-me um fato insólito, que não pode ser considerado coincidência, haja vista o grau de seriedade que ele representa quando se fala em racionalização num mundo que se encontra em perfeito descontrole.
Numa cidade grande, com crescimento desordenado e trânsito caótico, como espécie de treinamento de paciência, parei no sinal vermelho. Ao meu lado direito, parou um ônibus, cujo motorista aparentemente muito tranquilo sacou um jornal, abriu-o e começou a ler. Após um intervalo de tempo, dobrou o pedaço de papel, guardou-o, engatou o veículo e o sinal se abriu. Tudo no tempo certo, num tempo também racionalizado. Não foi sorte, não foi acaso. Tudo estritamente calculado, talvez pelos anos de profissão. Este acontecimento me deixou muito excitada, considerando que eu moro numa cidade pequena e não se vê esse tipo de coisa em momento algum. Pode ser que alguém diga que isso é coisa de criança feliz: "é que você não está acostumada, porque isso acontece direto". Ok, mas o importante é que, acontecendo ou não com frequência, este fato me fez pensar que sempre estamos planejando tudo, calculando tudo o que pode ser feito num determinado tempo, para aproveitá-lo da melhor maneira possível, economizá-lo e fazer a vida render. A cena que presenciei pareceu uma viagem no tempo, uma volta à finalidade do projeto moderno.
E depois o homem diz que o que realmente vale a pena é andar para frente. Ah, o homem moderno é mesmo um ser fascinante e contraditório!

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Se o Jingle Bell não for suficiente

Gosto muito desta época natalina; acho que é porque as coisas tendem a ficar mais tranquilas e o meu espírito vai sossegando um pouco depois de mais um ano na loucura e na correria. Mas confesso que vejo este período como propício para a proliferação da hipocrisia. Afinal, todo mundo teve o ano inteiro para fazer boas ações, ir à missa e se sensibilizar com qualquer coisa, seja com a violência, com o meio ambiente, com o abandono, com a fome (e muitas que agora nem passam pela minha cabeça). É engraçado que todos resolvem, justo nessa época, abrir os corações e ficar mais solidário, mais pacífico, mais amável, mais educado. Este espírito contraditório do Natal realmente chega a me incomodar. Algo que deveria ser até um estilo de vida vira um espetáculo teatral como forma de remissão dos pecados. 
Enfim, tudo isso para dizer que para esta época do ano eu recomendo um álbum muito legal do Lynyrd Skynyrd, intitulado Christmas Time Again. Aqueles que me conhecem sabem o quanto o Rock é presente na minha vida. Claro que não poderia passar o fim de ano ouvindo "Noite Feliz" ou "Jingle Bell"; faltaria muita emoção. E em praticamente 36 minutos, a banda de southern rock deu um jeito de deixar meus Natais mais contagiantes. Uma excelente trilha sonora para qualquer pessoa. 


Christmas Time Again, do Lynyrd Skynyrd. Álbum lançado em 2000.

Quem desejar ouvir o álbum, pode fazer o download no Megaupload clicando aqui.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O poder do consumo em 30 segundos

Não poderia deixar de publicar alguma coisa a respeito de um e-mail que recebi recentemente. Diferente das piadinhas sexuais e agressões à política e ao governo Lula que estamos acostumados a receber em nossos e-mails, penso que este tende a ter uma circulação bem menor porque retrata a realidade de forma nua e não admitida pela maioria das pessoas.
O e-mail diz respeito ao comercial do Laptop da Xuxa e traz o depoimento de um pai publicado num jornal, cujo lamento está no fato de a filha querer desesperadamente o novo produto da estrela global porque sua felicidade parece depender do tal laptop.
Pois bem. Fui procurar o comercial e o que encontrei foi isso:


Cheio de efeitos visuais e super alegre, qualquer criança que assiste este comercial consegue ser convencida de que descer num arco-íris com um laptop da Xuxa é muito mais legal, divertido, interativo e até educativo que o papel e o lápis de colorir que, a meu ver, é uma combinação que ajuda a desenvolver a criatividade, o gosto pela arte e a expressão da nossa subjetividade. Notem que as meninas parecem até mais felizes quando estão com o laptop, a expressão facial é determinante para garantir que o produto é excelente.
Este comercial nos ensina que existe uma pedagogia do consumo ligada à publicidade infantil. Desde cedo as crianças começam a ter desejos consumistas porque a mídia perversa, os empresários e publicitários, todos perversos também, aproveitam-se da imaturidade e falta de discernimento de uma criança e inserem nela um mundo de fantasias que muitas vezes nem existe, mas que traz a promessa de felicidade. Assim como o trabalho deturpa os valores e a subjetividade dos homens, a marca do desejo é inscrita precocemente na infância e corrompe a subjetividade.
Quando vi este anúncio, lembrei de uma amiga que adora falar que a filha dela se parece com a Barbie, primeiro porque ela segue os padrões da boneca mais desejada do mundo. Segundo porque a garota está sendo educada desde cedo a ter esses objetos de Barbies e Xuxas que estão pelo mundo afora e que formarão sua identidade. Isso é extremamente perigoso.
Ninguém, a não ser os pais, podem educar as crianças para a vida. Com o espetáculo midiático não se pode contar, uma vez que o mesmo educa de forma poderosa para o consumo que, de fato, muitas vezes não é necessário e vital, não fosse a insistência de que ter o produto pode fazer o indivíduo feliz. Aqui no Brasil não se tem o cuidado com as programações infantis, as propagandas não são reguladas e criam a ilusão de que todos são livres para terem o que desejarem. Pura ilusão! Isso é tão verdade porque basta analisar o desejo e o desespero de crianças de famílias extremamente carentes¹, que estão igualmente expostas à invasiva, massiva, cruel e desumana publicidade infantil.
Fica a pergunta para refletirmos: O que se pode esperar de uma sociedade na qual interesses comerciais se sobrepõem aos cuidados básicos com a infância?

Notas:
1 - Fazendo uma analogia com o assunto, ontem li um comentário da antropóloga Mariana Cavalcanti sobre as casas dos traficantes da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão que possuem ar-condicionado, piscina e TV de plasma: "Não entendo a surpresa das pessoas com as banheiras de hidromassagem, as piscinas, as TVs, o quadro do artista pop juvenil na parede encontrados ali. Ora, são os valores da nossa sociedade, do capitalismo, que os tornam objetos de desejo. Os traficantes são socializados nessa cultura do consumo, como todos nós. A opção pelo tráfico se dá pelo status [...], mas se dá primordialmente pela possibilidade de ter bens de consumo".