domingo, 31 de outubro de 2010

O naufrágio do Tucanic

Charge tirada do Blog Conversa Afiada
Alguém escuta. Espera. Prende
o fôlego, bem perto,
aqui. E diz: aquele que fala sou eu.

[...]
Não há ninguém aqui além
de quem diz: só pode ser eu.
Eu espero, prendo o fôlego,
escuto. O ruído ao longe

nos ouvidos, essas antenas
de carne tenra, nada significa.
É apenas o sangue

que bate nas veias.
Esperei muito tempo,
com o fôlego preso.
(ENZENBERGER, Hans Magnus. O naufrágio do Titanic: uma comédia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Canto primeiro: Alguém escuta)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Juventude (nem um pouco) transviada




No último post, comentei um pouco sobre a indústria cultural relacionada à publicidade, ao apelo estético, a um padrão de comportamento e pensamentos dados como prontos.
A juventude corresponde ao grupo mais atingido por este fenômeno. Ela é o público alvo do sistema. Um bom exemplo que confirma esta tese é a música. Márcia Tiburi, tendo pensado nesta questão, foi direto ao ponto e às conseqüências também: “Imagine que um empresário inventa uma banda com os bonitinhos de plantão, veste-os do jeito que tem que ser e vende essas pessoas que carregam uma mensagem. A mensagem que elas trazem nunca é perigosa e reflexiva. É sempre o velho papo do amor, que cobre as diferenças, a política”.
Repare que Márcia usa os termos inventar uma banda (quer dizer, o talento e a qualidade não estão em questão) e vender essas pessoas (que foram produzidas pelo sistema com a esta finalidade).
A declaração de Márcia é tão verdadeira que podemos comparar outras juventudes para afirmar o quanto esta, dos dias de hoje, é conservadora (eu diria que, até certo ponto, careta), não só pelo embasamento ideológico de sua estrutura – pois particularmente vejo que até os menos favorecidos economicamente são conservadores – mas pela ausência de questionamentos e indagações que poderiam gerar novas formas de ver o mundo: a juventude é conservadora com algo que foi aprendido dias atrás, e não há anos para analisar as experiências vividas.
O importante também é deixar claro que cada juventude vive num tempo preciso e num contexto muito específico, com normas, valores e ideais peculiares. No entanto, os ideais parecem estar camuflados, ninguém briga por nada, como se tudo já tivesse sido conquistado pelas gerações anteriores, principalmente a democracia e a liberdade de expressão.
Nós temos muitos exemplos no século XX do quanto é possível nadar contra a correnteza e ter um estilo de vida próprio, que foge às regras básicas. Poderia falar de várias tendências que surgiram ao longo das décadas (a geração beat, a tropicália, os caras pintadas, os punks, entre outras), mas um dos grandes ícones em rebeldia e busca de causas para lutar foi James Dean. Eu admiro demais a figura de James Dean, ainda que ele tenha sido um produto criado (e este detalhe não deve passar despercebido: seu caráter rebelde foi inventado, send fruto de uma produção). Mas se ele estivesse vivo hoje, certamente diria que a falta de rebeldia da juventude é um sintoma da indústria cultural – e isso o deixaria apavorado. Tentaria de todo modo encontrar algo para se rebelar; um mundo com tantos problemas e tantos jovens acomodados soa como anormal.
Além de já ter citado o exemplo musical, no Blog do James¹ ele comenta um pouco sobre a moda e a ausência de rebeldia: “Para começar, falta um uniforme pertencente a uma só geração. Na minha época, bastavam uma jaqueta de couro, um jeans surrado e um topete, e pronto. Qualquer um na rua apontaria: olhe lá um jovem rebelde. Essas roupas estão nas vitrines de qualquer lojinha convencional de shopping ou no corpo de um cinquentão. Roupa suja? Não dá, as roupas já vêm fantasiadas de imundas. Tudo está na moda. Não é possível chocar ninguém”.
Outros dois exemplos que vêm à mente agora: as calças rasgadas dos punks, as camisas de Che Guevara para os revolucionários socialistas. Tudo hoje é moda.
Voltando na questão da indústria cultural, vendo a juventude corrompida e engolida por este mal (que não é necessário!), que não tem sonhos e utopias de revolução (ainda que no processo de amadurecimento eles fossem deixados para trás e esquecidos), a grande preocupação de Adorno e Horkeimer era justamente esta: o modo de produzir e reproduzir a própria existência das pessoas, um processo mecanizado, com pensamentos prontos e verdades incontestáveis.
Por isso que esta semana eu dei um aviso a certos alunos (aqueles que eu ainda acredito que serão capazes de se desviar das tendências): Se não for agora, se a agitação e o questionamento não vierem agora, não virão nunca mais!

PS: É possível entender por que o rock cria o tempo de rebeldia; é o gênero que sempre se mostrou disposto a fugir de padrões, encarar nos olhos a realidade – nua e crua – e levantar uma bandeira própria. Pena que essas bandas inventadas e vendidas não são capazes de fazer o mesmo hoje. Ainda escreverei sobre isso.


Notas: 
1 - O Blog do James Dean é um dos blogs de personalidades do Blogs do Além.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Maiores esclarecimentos

Dois frankfurtianos chamados Theodor Adorno e Max Horkeimer elaboraram em 1947 não só um livro como, na minha opinião, o grande conceito do século XX e XXI: o de Indústria Cultural. O livro que aborda o texto sobre este conceito chama-se Dialética do Esclarecimento (acreditem se quiser, até a Veja elogiou a obra dos pensadores da Escola de Frankfut).


Para quem não sabe, indústria cultural é a produção de determinados produtos que, além de se transformarem em mercadoria, possuem certa semelhança com a arte: atinge a sensibilidade das pessoas.
Na Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkeimer deixam claro que indústria cultural é uma cultura que está sendo produzida e que engloba não só as mercadorias destinadas ao consumo, mas também modos de ser, comportamentos, estética e pensamentos, todos produzidos em escala industrial.
Pensando no fenômeno da publicidade, cada vez mais impactante, a indústria cultural conseguiu vingar porque atravessou o pensamento do indivíduo, ou seja, ninguém é autor de seus pensamentos, porque os mesmos já estão dados. No mundo da publicidade, uma idéia, uma frase e uma cena visual carregam valores e mensagens que, de tanto serem repetidas, tornam-se verdades. Toda a estrutura estética é mostrada como um espetáculo, e é por isso que compramos a roupa, o carro, o celular e, consequentemente, suas idéias embutidas nos produtos, que atravessam a percepção. Ninguém pensa por conta própria, porque pensa de acordo com os valores que são vendidos.
É muito fácil ser bombardeado com o pensamento de que, se uma pessoa não é bonita, rica e desejada, ela pode ser isso e muito mais se adquirir determinado produto. E é muito fácil também tomar como verdade porque o show midiático não deixa ninguém em paz, sempre há um lembrete ao ligar a televisão, ao deparar-se com os outdoors, ao ler o jornal.
Há um grupo que é, indubitavelmente, o mais atingido pelo fenômeno da indústria cultural. Deixarei esta discussão para o próximo post, que (prometo!) não deve tardar.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Uma camiseta que deu pano para manga

Em março deste ano, participei de um curso voltado ao entendimento da sociedade e do modo de produção capitalista. Faz quatro anos que este tem sido um dos principais focos de meus estudos. O Fábio, do Núcleo de Educação Popular 13 de Maio de São Paulo, foi responsável por tal curso.
O que mais me chamou a atenção, em dois dias de discussão, durante 16 horas, não foi o ótimo discernimento do Fábio, seu conhecimento acadêmico apesar de não ser graduado em curso algum ou seu excesso de palavrões que saíram espontaneamente e com um bom humor que arrancou algumas risadas. Foi simplesmente a camiseta que ele usou, um tanto polêmica, intrigante e inusitada. Ela trazia uma imagem no mínimo interessante, que me fez pensar o quanto somos diferentes e como estamos focados e nos preocupamos com coisas totalmente diversas: o camundongo Mickey Mouse, o palhaço Ronald McDonald e uma garota que foi a cara e o símbolo de uma guerra: Phan Thi Kim Phuc, uma das "protagonistas" da Guerra do Vietnã. Isso mesmo, aquela menina que está na clássica foto do conflito correndo, nua, chorando, queimada.
Na camiseta, os personagens norte-americanos aparecem de mãos dadas, com Phan ao centro. Eles estão sorridentes e esbanjando alegria, para não perder o hábito. Aliás, eu gostaria de questionar quem é o público que o Mickey e o Ronald McDonald trazem alegria, porque eles são praticamente inacessíveis a boa parte da população mundial. Esta imagem representa não só o conflito travado entre Estados Unidos e Vietnã (na época, do Norte), mas a séria dívida que temos com a História, que é - e sempre foi - contada sob o ponto de vista dos vencedores, e não dos vencidos. E mesmo que neste caso o Vietnã tenha ganho a guerra, Phan foi esquecida. Mickey e Donald triunfam desde suas criações sob a égide da hegemonia norte-americana. Esta representação, por mais simples e ilustrativa que seja, tem caráter complexo e reflexivo.
Ficam, portanto, algumas perguntas: de que forma pensamos e agimos sobre o mundo? Como analisamos a nossa própria história, a história dos outros, os eventos sociais e políticos? Afinal, o que consideramos realmente importante neste mundo: a fantasia ou a dignidade?

Obra genial do artista de rua britânico Banksy

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A propósito das eleições

Ao contrário do que muitos pensavam, Dilma não venceu no primeiro turno. E até o fim do mês vai dar para sentir a sujeira  que vai se proliferar no ar.
Falando em sujeira, quem não gostou muito do ocorrido foi Paulo Henrique Amorim, que no seu blog Conversa Afiada declarou que boa parte dos votos de Marina Silva veio da direita cristã, das ramificações evangélicas e (neo)pentecostais, um voto com caráter confessional, chamando a candidata do Partido Verde de "Traíra in natura" e afirmando que "o Serra é tão religioso quanto democrata".
Neste mesmo blog, encontrei um vídeo muito interessante a respeito de José Serra caso seja eleito o novo presidente do Brasil, com a fala de Ciro Gomes. Querendo ou não, gostando ou não de Ciro, ele tem gabarito para falar sobre determinados assuntos, porque não caiu de pára-quedas na política, e também não é um novato aprendiz de cientista político.


 
E POR FALAR EM ELEIÇÃO...
Esta semana tive a oportunidade de conversar pessoalmente com Afonso Mônaco, um dos repórteres do Domingo Espetacular da Rede Record. Ele disse o seguinte: "Se o Serra ganhar esta eleição, eu vou mudar ou para o Paraguai ou para o Haiti, porque até lá estará melhor que aqui".

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A verdade que foge à razão

O velho entrave entre ciência e religião ainda persiste na sociedade e parece ser cada vez mais intenso. Daí não se torna muito difícil este assunto ser pauta na escola, em filmes, livros, discussões acadêmicas e entre pessoas que julgam ter um certo grau de maturidade para falar sobre isso.
Porém, uma das coisas mais interessantes desse conflito é justamente o fato de ambas serem parecidas em alguns aspectos e uma criticar ferozmente a outra. Tanto a ciência quanto a religião são dogmáticas, donas de uma verdade incontestável e que dificilmente pode ser compatível com outras formas de pensar o mundo.
A religião diz o tempo todo sobre a importância da fé, esta sendo condenada pela ciência já que ela é a verdade absoluta e a resposta para tudo. No entanto, ninguém possui tanta fé quanto a ciência e as pessoas, ainda que tenham ou não alguma religião.
Exemplos não faltam. Moramos numa casa porque acreditamos que o engenheiro acertou nos cálculos e, sendo assim, o teto não vai desabar repentinamente. Temos fé que o avião não vai cair porque acreditamos que os técnicos envolvidos na construção do mesmo pensaram e conferiram todos os materiais adequados para que ele pudesse manter-se firme no céu. Tomamos um remédio porque os cientistas e médicos garantem os resultados e advertem a população de todos os possíveis efeitos colaterais. Pensamos que a velocidade da luz é de 300 mil quilômetros por segundo porque os estudiosos da ciência e da Física chegaram à esta conclusão, mesmo que ninguém nunca tenha viajado com tanta rapidez. Ora, quem é então a ciência para falar da fé religiosa? Poderia ficar o resto do dia dando "n" exemplos de como a fé se faz presente na racionalidade científica.
Giddens escreveu sobre os sistemas peritos, os mais presentes e dominantes em nossa sociedade. Eles, por exemplo, desconsideram bastante os curandeiros das comunidades, uma vez que há cursos de formação e há médicos especialistas em cada área que atinge o corpo e o ser humano, reduzindo muitos trabalhos a um aspecto técnico e especializado, mas com o mesmo resultado dos rituais caseiros e tradicionais antes da existência desse aparato científico.
O homem crê muito, não importa necessariamente em quê. A fé e a crença são elementos que se fazem presente em todos. Muitos acreditam na ciência em função de ser algo mais concreto e objetivo que a religião (sobretudo os que se dizem sem religião e sem fé), mas a grande verdade é que a ciência não possui o tanto de respostas que pensamos que ela tenha. Tudo na ciência é hipótese e está sujeito a transformações e novas descobertas. As certezas ainda são poucas.
Não quero dar mérito à religião; esta é recomendada aos que precisam se fixar de vez em algumas ideias, ter um valor acima de todos os outros ou até estudar muita teologia para poder discutir seriamente alguns assuntos. A ciência também tem seu valor por ter contribuído com invenções e estudos que mudaram o mundo e facilitaram a vida das pessoas. E também é melhor não falar do prejuízo que cada uma deu, porque exemplos de tragédias e catástrofes não faltariam.

domingo, 3 de outubro de 2010

O passado está no céu

Certa vez, conheci um professor chamado Newton. Curiosamente, era um professor de Física, que levava muito em conta os rigores metodológicos e científicos de cada teoria que apresentava e cada experiência realizada.
Certo dia, enquanto eu fazia uma caminhada à medida que o Sol deixava apenas rastros no céu, encontrei o Newton em frente a um lago, após uns dois anos depois de ter me formado no Ensino Médio. Estava me aproximando dele com calma e, com toda a educação, eu o cumprimentei. O professor perguntou-me se eu sabia por que ele estava lá. Achei esta pergunta muito estranha, mas isso não foi nada perto do que ele iria dizer depois. Lembrando de seu estilo pragmático, respondi:
- Bem, Newton, na verdade eu não sei. Um lugar como este apresenta muitas razões para nós e todas essas pessoas estarem aqui. Também desconheço a resposta que mais agradaria o senhor, porém não tenho nenhuma hipótese ou teoria a respeito do fato de você se encontrar aqui e não numa conveniência, por exemplo.
Foi então que, após uma respiração profunda, ele respondeu:
- Estou aqui a fim de olhar para o passado. Quer vê-lo comigo?
Pausa dramática. O que será que o Newton estava querendo dizer? Por um breve momento, pensei que ele estivesse usando algum tipo de droga. Esta era uma explicação muito plausível para justificar sua fala. Como alguém pode ver o passado? Tudo bem que tem gente por aí que diz ser capaz de ver ou ao menos prever o futuro, mas o passado já era demais pra mim. 
- Professor, sinto muito por não compreender o que você diz. Sendo assim, não posso aceitar o seu convite com naturalidade.
Pensando no papelão que eu estava fazendo, resolvi agradecê-lo pelo convite e disse que estava indo. Tendo compreendido o meu desconhecimento de seu pensamento, aproximou-se de mim e começou a explicar:
- Estou esperando o fim do dia, a chegada da lua e sobretudo das estrelas. Porque olhar para o céu é olhar para o passado. Quando você diz que a noite está linda, com um brilho diferente e olha para o céu e sente que tudo está muito bonito, você está olhando para o passado, porque o brilho das estrelas foi emitido há muito tempo e só no momento em que percebemos o brilho é quando ele chegou até nós. Mas isso não é tudo: para dizer a verdade, não importa se o céu à noite está bonito ou não; ele é sempre um reflexo do passado, e todas as vezes que você sentir a necessidade de pensar sobre algo que aconteceu de uma forma não muito racional e convencional, espere pelo fim do dia e olhe para cima. Talvez você encontre alguma resposta ou explicação.
Pausa dramática II. Ele sabia que eu sempre gostei muito de poesia, e ter falado do passado desta maneira me encantou, primeiro pelo ar poético, segundo por nunca ter pensado assim, evidentemente porque desconhecia este fato científico da Física. 
Fiquei com o Newton até conseguir enxergar as primeiras estrelas. Depois daquele dia, o céu nunca mais foi o mesmo para mim.