sábado, 27 de agosto de 2011

Trabalho imaterial e capital II

No post anterior, eu me comprometi a dar uma continuidade no assunto que estava sendo tratado, o trabalho imaterial. Esta postagem é uma continuação, estendendo-se para a esfera do consumo.Terminei discorrendo sobre a transformação da pessoa em mercadoria (em poucas palavras, o Eu S/A: processo em que o indivíduo cria uma relação de exploração de si mesmo).
Frente a essas reflexões, podemos começar a pensar em que consiste o valor de qualquer coisa atualmente, uma vez que o tempo de trabalho não é mais a medida apropriada. Segundo Gorz, a proporção imaterial dos produtos se sobressai sobre a dimensão e realidade material dos mesmos. Ou seja, seu valor simbólico, estético e social possui vantagem em relação ao seu uso prático. Esta questão é bastante esclarecedora quando tentamos compreender, por exemplo, o capital que é (re)produzido nas grandes corporações. Penso que Gorz foi muito feliz ao afirmar que: "O capital de firmas como Nike, Coca Cola ou McDonald's consiste principalmente no poder do monopólio, simbolizado pelo nome de marca que elas tem no mercado, e na importância do rendimento que esse poder lhes assegura. A marca já e´, em si mesma, um capital na medida em que seu prestígio e sua celebridade conferem aos produtos que levam seu nome um valor simbólico comercial. Seu renome, de fato, não é devido somente às qualidades intrínsecas de seus produtos. Foi necessário construí-lo, ao preço de investimentos importantes em marketing e em campanhas publicitárias recorrentes. São estas que construíram a imagem da marca, dotando os produtos de uma identidade distinta e de qualidades alegadas, para as quais a firma reinvindica monopólio". 
Se o valor dessas mercadorias está, digamos, no respeito imposto pela marca no mercado, e nos fazendo crer o quanto é importante usufruirmos dos bens produzidos por ela, não há muitas dúvidas que o monopólio dessas empresas, portanto, também é um monopólio simbólico. Mas neste ponto nos deparamos com o problema central: o consumidor. É de extrema importância o monopólio e o valor simbólicos, pois eles é que asseguram a produção de consumidores. Digo produção porque é necessário, de fato, produzir desejos e vontades de estilos de vida, e os indivíduos devem adotá-los, abstraí-los, interiorizá-los. Deste modo, são produzidos consumidores que precisam daquilo que não desejam e, principalmente, desejam aquilo que não necessiatm.
Um crítico pioneiro deste pensamento é Edward Bernays, sobrinho de Freud, que elaborou uma linha de raciocínio muito interessante. Os desejos, por sua própria natureza, tendem a ser ilimitados. Para aumentá-los, portanto, seria necessário fazer com as pessoas não vissem mais suas compras e o ato de consumir como resposta às necessidades práticas e considerações racionais. É na esfera do inconsciente, dos desejos ocultos e indeclaráveis, das motivações irracionais, que deveria se recorrer. Enfim, seria preciso criar uma cultura do consumo.
Posso estar enganada, mas acho pertinente pensarmos no caráter totalitário que é atribuído ao capitalismo. Alguém (cujo nome não me recordo) já disse que o problema reside no poder que essas corporações possuem sobre nosso imaginário e intelecto. Trata-se de uma influência que forma gerações, que modifica a orientação política, que é mais forte do que o próprio poder de influência da Igreja, do Estado, da escola, da família. (No limite, arriscaria dizer que, conscientemente ou não, chega a ser fascismo, uma vontade de obediência a este poder). É bem verdade também que a manipulação da indústria publicitária compromete-se a bucar respostas de problemas individuais para problemas coletivos. Isso quer dizer o mercado se julga capaz de resolver estes últimos sem usurpar, sem apoderar-se da soberania e o interesse individual de cada um. Por isso falei em totalitarismo.

Problemas:
Diante do quadro que foi apresentado neste post e no anterior, preciso fazer algumas observações:
- Esta teoria do imaterial é, basicamente, uma reinterpretação completa frente ao modo de como Marx concebe o capitalismo. Se a valorização da mercadoria não depende mais da apropriação do tempo alheio, mas do conhecimento alheio, a própria teoria das classes poder ser questionada.
- Existe, então, uma experiência emancipatória em relação ao tempo de trabalho e que não pode ser apropriada pelo capital? Existe um saber em que o indivíduo expressa sua inconformidade e não aceitação de normas, não sendo capaz de ser apropriado?
- Muitos elementos da teoria do imaterial não são novidade e podem ser encontrados facilmente em outros críticos, como Bordieu.
- A teoria do imaterial possui, claramente, uma visão eurocentrista. Mas o problema principal, a meu ver, está nas contradições que estamos presenciando entre o trabalho imaterial e outros trabalhos ainda mensuráveis pelo tempo, especialmente em zonas periféricas e emergentes (um exemplo banal: pedreiros, cortadores de cana, etc.). Não creio que o trabalho imaterial esteja prevalecendo em sua totalidade, embora talvez seja uma tendência. O valor das mercadorias já sabemos onde se encontra. Porém, do ponto de vista qualitativo, onde está o valor da riqueza? Onde ela está sendo produzida?

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