quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A (incansável) polêmica


Muito me admira que, após duas semanas, a história do Rafinha Bastos ainda esteja no auge da repercussão. Pior que isso, é saber o que as pessoas pensam do assunto e como se portam diante do fato fazendo comparações sem um mínimo de fundamento. Não vou nem dar a notícia da fala do apresentador do CQC, agora afastado, em relação à Wanessa Camargo, porque já é conhecimento de todos.
Acredito que o caso deve sim ser comparado a outros, mas não à comparação sem sentido que está rolando nas redes sociais com o Paulo Maluf. Veja bem: Rafinha Bastos é apenas mais uma pessoa que está nos indicando que estamos passando por uma mudança social sem controle, pois na condição de humorista, ele quis fazer a galera rir à custa do desrespeito pelo outro. Não acredito que há ganhas nisso; o que há são perdas. Perdas de valores sociais, perdas morais, o que me faz pensar o quanto o indivíduo perde de si mesmo, em relação à sua dignidade, (auto)estima e respeito.
Mas esta não é uma história de origem recente. O que presenciamos hoje está muito relacionado aos fatos históricos do povo brasileiro. Os longos anos de ditadura, de ausência de liberdade e de direitos, quando chegaram ao fim, foram substituídos por uma sociedade que se inebria e se vê encantada no equívoco de que a liberdade só existe se for desmedida, sem freios, sem regras, ou seja: sem respeito pela liberdade do outro.
E a propósito, já que as comparações pendem para o lado político, as pessoas confundem o direito de livre expressão com liberdade. Confundem liberdade com abuso, direito com prepotência, democracia com impunidade. Tenho notado que a dimensão da declaração de Rafinha Bastos gerou essa grande confusão. 
Cheguei a ler todos os tipos de comentários, desde o qual um sujeito diz que Wanessa Camargo estava se utilizando da injúria para se promover, como se ela precisasse disso, até o fato de ela ser péssima profissional e etc, como se a questão fosse esta. Claro que entre as milhões de opiniões, encontra-se os que acham que ela exagerou, apenas expressando a imagem que teve diante do fato. ou mesmo que ela agiu corretamente. Mas eu só fico pensando o que essas pessoas  - que acharam inadmissível o processo e a ação que a cantora e o marido estão movendo contra o humorista - fariam ou pensariam se o mesmo fosse dito em relação à mãe, à irmã, prima, tia, etc. Por isso é sempre muito mais fácil falar dos outros.
Volto a dizer: está faltando referência de valores sociais, o eixo do senso de justiça está se deslocando de uma forma que só é boa para o indivíduo quando lhe diz respeito, quando lhe convém, aniquilando o sentido da alteridade.
Além disso, as imagens que estão circulando com a frase "Brasil: país onde os humoristas são levados a sério, mas os políticos são levados na brincadeira" não me surpreende. Primeiro porque a política nunca foi levada a sério no país, tanto pelos políticos quanto pelas próprias pessoas que elegem tais candidatos. Criou-se a cultura do viver da política, e não para a política. Aliás, tenho curiosidade em saber em quais políticos essas pessoas votaram, as que acharam o fim dos tempos a ação judicial. O que essas pessoas fazem para combater a corrupção? Elas estão protestando, estão nos centros acadêmicos, em grupos ou nas redes sociais debatendo? Tenho minhas suspeitas. 
Com isso, só quero afirmar que não reconhecemos mais os próprios limites, então invadir o limite do outro está se tornando comum, virando rotina, e todos se acostumam a tudo. Até quando?

sábado, 1 de outubro de 2011

Aceitando o inexplicável

É exatamente isso que está acontecendo, em especial depois de ter pensado e repensado mil vezes o que aconteceu com aquele menino de 10 anos que atirou na professora e depois se suicidou, em São Caetano do Sul, na região do ABC. Posso estar relativamente atrasada no que concerne à notícia, que não é novidade para ninguém, mas quando os noticiários vão nos mostrando outras informações, tudo parece ficar mais claro, principalmente neste caso. O que ficou claro (e o que não se aceita e não se quer pensar) é o seguinte: não existe uma explicação racional e concreta que justifique a sucessão dos eventos - pegar a arma do pai, mentir para o mesmo afirmando não estar com o revólver, atirar na professora e, logo em seguida, atirar em si mesmo.
Não queria escrever isso no ato do acontecimento porque alguém poderia dizer que não sei nada a respeito do garoto. Pois bem. O que aconteceu de lá para cá? A vida do jovem David tornou-se um livro aberto, muito se comentou sobre suas amizades, família, notas e desempenho escolares, credos e atitudes. Conclusão: tudo parecia muito perfeito: filho de um guarda civil municipal, de família tradicionalmente evangélica e aluno exemplar. Pergunto: como explicar? Aliás, um indivíduo com esses hábitos e características pode estar imune de qualquer ação ou feito como este? Nesses dias que fomos bombardeados com os detalhes de sua vida, esperávamos encontrar ao menos um elemento que fosse a porta de entrada para estabelecer uma relação com o ocorrido. Não encontramos, mesmo com as supostas declarações de seus amigos da escola, cuja afirmação circulou na esfera da ação racional com relação a fins, ou seja, omo algo certo, que o garoto já havia tomado esta decisão e cometeria o delito.
Eis o choque. Nós fomos e somos educados com a mentalidade de que para tudo há uma razão de ser, sempre existe um por quê. E a sociedade ainda não aceita, ou melhor, não suporta a ideia de admitir que estamos desamparados frente à idealização de que tudo tem - e deve ter - uma explicação racional. Não suporta porque isso soa como algo desesperador. Mas a tragédia desse menino de 10 anos está aí para nos mostrar que o império do "tudo é explicável" está com os dias contados.
Agora, pior mesmo é que, nesses fatos, a "causalidade forçada" vira festa. Quantas vezes não ouvimos aquelas declarações que criam alusão ao acontecimento? No caso de David não foi diferente. Começou a ser dito que alguém teria notado uma mudança de comportamento, que o pai deveria ter advertido a escola sobre o desparecimento da arma, deixando a direção mais atenta. Recorro a Jorge Forbes: como é fácil ser profeta do passado! Difícil mesmo é nos certificarmos de que atravessamos um momento cujos crimes inusitados e insólitos estão se tornando uma tendência, e profetizar o passado não resolve o problema. 
Este é, naturalmente, um desafio que nos foi imposto. Precisamos abandonar o "Freud explica"; estamos carentes de novas formulações, já que esta é uma era marcada por acontecimentos nem sempre previsíveis. As teorias consolidadas no passado não servem para esses casos. E quando eles ocorrem, ficamos pasmados, o que demonstra o quanto não estamos aptos para lidar com os limites da condição humana.