O que significa relacionar-se com alguém? Creio que hoje estamos preocupados com uma coisa e falando de outra. Relacionar-se com alguém. Todo mundo quer, mas será que nossa preocupação não reside na cristalização, no congelamento das relações? Será que todos estão procurando um amor de verdade, algo firme, duradouro, ou realmente desejam um manto leve para evitar sofrimento, renúncia, decepção – enfim, algo que possa ser desfeito sem dor – e, o que é melhor, com a consciência limpa?
Não estou certa do que pretendo dizer, mas creio que as perguntas supramencionadas favorecem muito uma das diversas formas de relacionamentos e que, usando um conceito marxista, defino como o fetiche da mercadoria.
Relações de casualidade, como o ficar ou os encontros com fins específicos remetem à satisfação individual, podendo vir de ambas as partes, claro, e o prazer está em conseguir aquilo que se deseja. É prazeroso conquistar algo, e por isso essas relações acabam sendo mais importantes do que os relacionamentos tradicionais, firmes. É melhor conquistar quantitativamente do que amar alguém e conquistar a mesma pessoa em diversos aspectos em seu cotidiano – afinal, será que um dia tudo que se é possível conquistar em alguém não vai acabar? A questão fundamental, portanto, é a essência do que a conquista significa para cada indivíduo e como ela pode ser prazerosa.
Usar o termo fetiche da mercadoria é, desta forma, adequado se considerarmos o fato de que as pessoas preferem investir em relações curtas e líquidas para não sofrerem e ao mesmo tempo não ficarem sozinhas, isto é, para se sentirem satisfeitas sem grandes esforços. O prazer está em “consumir a mercadoria”, para depois descartá-la, visto que tudo o que se consome perde sua utilidade em algum momento. E a nossa cultura, por ser extremamente consumista, preza os produtos de uso imediato, aqueles que proporcionam prazeres efêmeros, instantâneos e que dão a sensação de bom investimento para o consumidor. Esta é uma cultura que preza leveza, novidades e variedades. Amar torna-se mera redundância (apesar de que, como disse no post anterior, é isso que todos querem no fundo), uma proposta quase indecente, falsa, cínica e dissimulada na medida em que existem diversas mercadorias à disposição, que querem ser consumidas em nome do prazer. O homem é, indubitavelmente, uma mercadoria, e o fetiche da mesma é intrínseco a esta sociedade capitalista. E, como disse Bauman, o amor mais parece uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável. Quem deseja, portanto, hipotecar seu futuro?
O amor parece uma palavra fora de moda, como escreveu David Bowie, já saturou, já deu o que tinha de dar. Amar exige coragem, humildade e reconhecimento em escalas indescritivelmente enormes e desafiadoras. Ninguém quer correr e assumir riscos de verdade. Mas acabamos nos esquecendo de que o fetiche da mercadoria, neste caso, fragiliza os laços humanos de forma brutal, pois conviver com o outro e conciliar ou estabelecer consenso de projetos de vida torna-se praticamente uma missão impossível; o individualismo fala mais alto constantemente.
Como resolver todas essas contradições? Existe uma solução viável ou plausível acerca de tantos conflitos humanos? Deixo a pergunta em aberto para a próxima vez que resolver escrever.