quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A respeito da degradação do homem de ciência

Estava lendo alguns trechos do livro do Albert Einstein, Como vejo o mundo, e me encantei pelo tópico "A respeito da degradação do homem de ciência". Seria muito importante se algumas pessoas lessem isso. 

Qual a meta que deveríamos escolher para nossos esforços? Será o conhecimento da verdade ou, em termos mais modestos, a compreensão do mundo experimental, graças ao pensamento lógico coerente e construtivo? Será a subordinação de nosso conhecimento racional a qualquer outro fim, digamos, por exemplo, “prático”? O pensamento por si só não pode resolver este problema. Em compensação, a vontade determina sua influência sobre nosso pensamento e nossa reflexão, com a condição evidentemente de que esteja possuída por inabalável convicção. Vou lhes fazer uma confidência muito pessoal: o esforço pelo conhecimento representa uma dessas metas independentes, sem as quais, para mim, não existe uma afirmação consciente da vida para o homem que declara pensar.
O esforço para o conhecimento, por sua própria natureza, nos impele ao mesmo tempo para a compreensão da extrema variedade da experiência e para o domínio da simplicidade econômica das hipóteses fundamentais. O acordo final desses objetivos, no primeiro momento de nossas pesquisas, revela um ato de fé. Sem esta fé, a convicção do valor independente do conhecimento não existiria, coerente e indestrutível.
Esta atitude profundamente religiosa do homem de ciência em face da verdade repercute em toda a sua personalidade. Com efeito, em dois setores os resultados da experiência e as leis do pensamento se dirigem por si mesmos. Portanto o pesquisador, em princípio, não se fundamenta em nenhuma autoridade cujas decisões ou comunicações poderiam pretender á verdade. Daí o seguinte violento paradoxo: Um homem entrega sua energia inteira a experiências objetivas e se transforma, quando encarado em sua função social, em um individualista extremo que, pelo menos teoricamente, só tem confiança no próprio julgamento. Quase se poderia dizer que o individualismo intelectual e a pesquisa científica nascem juntos historicamente e depois nunca mais se separam.
Ora, assim apresentado, que é o homem de ciência a não ser simples abstração, invisível no mundo real, mas comparável ao homo oeconomicus da economia clássica? Ora, na realidade, a ciência concreta, a de nosso cotidiano, jamais teria sido criada e mantida viva, se este homem de ciência não houvesse aparecido, pelo menos em grandes linhas, em grande número de indivíduos e durante longos séculos.
É claro, não considero automaticamente um homem de ciência aquele que sabe manejar instrumentos e métodos julgados científicos. Penso somente naqueles cujo espírito se revela verdadeiramente científico.
No momento atual, em que situação no corpo social da humanidade se encontra o homem de ciência? Em certa medida, pode felicitar-se de que o trabalho de seus contemporâneos tenha radicalmente modificado, ainda que de modo muito indireto, a vida econômica por ter eliminado quase inteiramente o trabalho muscular. Mas sente-se também desanimado, já que os resultados de suas pesquisas provocaram terrível ameaça para a humanidade. Porque esses resultados foram apropriados pelos representantes do poder político, estes homens moralmente cegos. Percebe também a terrível evidência da fenomenal concentração econômica engendrada pelos métodos técnicos provindos de suas pesquisas. Descobre então que o poder político, criado sobre essas bases, pertence a ínfimas minorias que governam à vontade, e completamente, uma multidão anônima, cada vez mais privada de qualquer reação. Mais terrível ainda se lhe impõe outra evidência. A concentração do poder político e econômico nas mãos de tão poucas pessoas não acarreta somente a dependência material exterior do homem de ciência, ameaça ao mesmo tempo sua existência profunda. De fato, pelo aperfeiçoamento de técnicas requintadas para dirigir uma pressão intelectual e moral, ela impede o aparecimento de novas gerações de seres humanos de valor, mas independentes.
Hoje, o homem de ciência se vê verdadeiramente diante de um destino trágico. Quer e deseja a verdade e a profunda independência. Mas, por estes esforços quase sobre-humanos, produziu exatamente os meios que o reduzem exteriormente à escravidão e que irão aniquilá-lo em seu íntimo. Deveria autorizar aos representantes do poder político que lhe ponham uma mordaça. E como soldado, vê-se obrigado a sacrificar a vida de outrem e a própria, e está convencido de que este sacrifício é um absurdo. Com toda a inteligência desejável, compreende que, num clima histórico bem condicionado, os Estados fundados sobre a idéia de Nação encarnam o poder econômico e político e, por conseguinte, também o poder militar, e que todo este sistema conduz inexoravelmente ao aniquilamento universal. Sabe que, com os atuais métodos de poder terrorista, somente a instauração de uma ordem jurídica supranacional pode ainda salvar a humanidade. Mas é tal a evolução, que suporta sua condenação à categoria de escravo como inevitável. Degrada-se tão profundamente que continua, a mandado, a aperfeiçoar os meios destinados à destruição de seus semelhantes.
Estará realmente o homem de ciência obrigado a suportar este pesadelo? Terá definitivamente passado o Tempo em que sua liberdade íntima, seu pensamento independente e suas pesquisas podiam iluminar e enriquecer a vida dos homens? Teria ele se esquecido de sua responsabilidade e sua dignidade, por ter seu esforço se exercido unicamente na atividade intelectual? Respondo: sim, pode-se aniquilar um homem interiormente livre e que vive segundo sua consciência, mas não se pode reduzi-lo ao estado de escravo ou de instrumento cego.
Se o cientista contemporâneo encontrar tempo e coragem para julgar a situação e sua responsabilidade, de modo pacífico e objetivo, e se agir em função deste exame, então as perspectivas de uma solução racional e satisfatória para a situação internacional de hoje, excessivamente perigosa, aparecerão profunda e radicalmente transformadas.

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