quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Belo Monte, o Xingu e Narradores de Javé - a cultura como patrimônio

Todas as discussões acerca da usina de Belo Monte me remetem ao filme Narradores de Javé. O que já serviu de roteiro para um filme excelente como este hoje é fato concreto, com direito a protagonistas e tudo mais. 

O processo civilizatório brasileiro impediu o entendimento e a visualização de muitos grupos culturais. A história contada e reforçada nega as comunidades culturais observadas no filme Narradores de Javé.
Toda história é contada a partir de um ponto de vista. No filme Narradores de Javé vemos a história oral como elemento essencial para caracterizar, “cientificamente”, a história do povoado.
A cidade em questão apresenta seus valores, normas e interesses da coletividade (mas isso não exclui a presença de conflitos), pois está prestes a ser inundada devido à construção de uma hidrelétrica. Este fato nos chama a atenção por alguns motivos.
O primeiro trata-se da idéia de progresso e civilização. No processo civilizatório ocorre uma interação e, sem dúvida, um choque cultural entre diversos grupos, no qual se avaliam os traços culturais que estão se envolvendo e o que está sendo deixado para trás.
Javé está esquecida, e para reverter a situação os moradores tentam escrever a história do município. É neste momento que nos deparamos com o esquecimento de grupos culturais, não somente em Javé, mas em todo o país.
Manifestantes em protesto contra Belo Monte
É interessante observar que a história de Javé é praticamente contada de maneira semelhante, mas os olhares são diferentes. O papel e o que cada personagem representou no passado são levados em conta, a exemplo do grande líder do exército, visto como nobre, símbolo de honra ou até covardia. A presença da mulher nos primórdios da formação da cidade também é vista sob ópticas diversas (heroína, louca ou apenas mais uma).
Apesar de algumas observações serem peculiares, podemos notar que, na tentativa de reconstituir a história, o alfabetizado Biá recorre à comunidade local. No exemplo supramencionado já é possível fazer uma reflexão acerca dos grupos que inicialmente compõem o município de Javé, e não há grande convicção quanto à forma de organização cultural da sociedade.
A idéia de esquecimento de outros grupos atinge o ápice no momento em que Biá se afasta da região central e parte para uma área mais periférica e isolada. Lá ele encontra uma tribo africana, que, através de um tradutor, conta a história de Javé (de seu guerreiro, da mulher e da população em geral) de uma forma extremamente diferente, sob outras circunstâncias. Há todo um ritual para que a história seja contada. Nesta ocasião percebe-se como a civilização, por menor que seja sua influência, carrega um conjunto de elementos e afasta outros, que ficam omitidos no processo histórico.
Estes povos que pouco alteram ou quase não entram na história (pelo menos na que se tem conhecimento, naquelas que são transmitidas nos livros didáticos de História) são dotados de características importantes para compreendê-los, entre elas o fato de sua cultura não possuir resquícios ou pouco estar afetada pelo domínio de outra. Aqui, entendemos cultura como um patrimônio moral e intelectual constituído por linguagens, símbolos, conceitos, comportamentos e interação social. A cultura, portanto, passa a representar um nível particular de realidade social.
Com isso, faz-se necessário uma aproximação entre desenvolvimento/formação econômico-social e civilização. O filme nos mostra o processo civilizatório de forma geral, como uma sequência evolutiva causada pelos efeitos socioculturais e mudanças técnicas, mas também exibe um processo individual e próprio dos habitantes da região.
Fica claro, portanto, que o processo civilizatório faz com que não seja fácil identificar os diversos grupos culturais. A própria cidade de Javé é um grupo que caiu no esquecimento em função dos fenômenos civilizatórios e progressivos, e é constituída por outros subgrupos que não estão na memória e que não tiveram importância para mudar o rumo da civilização ou impedir o avanço que causou a inundação e o fim daquele lugar.
Realmente fica difícil não compararmos os habitantes de Javé com o povo Xingu. Ambos retratam os obstáculos de uma sociedade disposta a fazer tudo em nome do progresso. Progresso para quem?

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