sexta-feira, 16 de setembro de 2011

As lógicas culturais do capitalismo

Um par de botas - Vincent Van Gogh


Diamond dust shoes - Andy Warhol

Fazer uma análise de pares de sapatos pode soar estranho, mas não é quando pensamos nas tendências do modernismo e do pós-modernismo. É claro que esteticamente já é possível notar várias diferenças, mas gostaria de abordar de forma minuciosa algumas características, umas mais evidentes, outras nem tanto, sobretudo para aqueles que, assim como eu, não são especialistas no assunto. Cabe também avisar que tudo começou quando estava lendo um livro do Fredric Jameson que faz algumas reflexões acerca do pós-modernismo em que, segundo o autor, as diferenças são mais evidentes na arquitetura. Mas o modo como ele constrói sua análise não é pós-moderno, especialmente porque trabalha com as categorias de história e totalidade, esta última de Lukács, que afirma não ser possível a separação entre as esferas econômica, cultural, política, estética. Todas são pensadas dentro de todo um processo estrutural.
Um par de botas, do Van Gogh, é uma imagem que me permite afirmar que não se trata apenas de um par de sapatos que foi desenhado pelo artista num momento de lazer, e está longe de ser isso. Ela representa todo um universo pautado na miséria agrícola e na pobreza rural, a esfera humana onde se encontra o trabalho penoso, árduo e opressivo, reduzida à situação mais brutal, desumana, ameaçada, arcaica e marginalizada.
A explosão de cores é intencional em Van Gogh (aliás, percebemos isso em todas as suas obras) para entrar em contradição com o mundo sombrio apresentado. Elas simbolizam um gesto utópico do artista à medida que transforma o mundo opaco do camponês. A obra possui vivacidade e profundidade. Por isso, estou convicta de que considero legítima a ideia de materialidade renovada. Parece trazer toda uma história de vida, em que acabamos imaginando o contexto a que as botas se referem (trabalho, desgaste e as outras características que já foram mencionadas anteriormente).
Quando nos deparamos com a imagem pós-modernista de Andy Warhol, Diamond dust shoes, creio que o primeiro aspecto que devemos notar é o fato de que na obra não consta a assinatura do artista. Aliás, é importante dizer que as produções de Warhol não são pinturas; a técnica utilizada é a serigrafia. Segundo, as obras de Warhol são sempre modificadas, tanto que é comum encontrar diferentes versões referentes à mesma obra.
Embora o uso abundante de cores também esteja presente neste artista, elas não possuem uma finalidade tão específica quanto nas de Van Gogh. Na verdade, o destaque se faz necessário porque a publicidade é trabalhada em cima de algo que chame a atenção. Creio ser válido afirmar que no pós-modernismo, a arte se confunde com a publicidade.
Mas, voltando à imagem de Diamond dust shoes, é perceptível que trata-se de uma coleção de objetos (os sapatos) sem vida que não possuem um referencial histórico concreto, e para a teoria pós-moderna, a falta de profundidade,de dimensão, é uma constante. Além disso, podemos observar que o enfraquecimento da historicidade também reflete as tendências do pós-modernismo, bem como o brilho falso da mercadoria (basta lembrarmos das outras obras de Warhol, como as latas de sopa Campbell, a garrafa de Coca-Cola e os retratos de celebridades, cuja mais expressiva e conhecida de seus trabalhos é a Marilyn Monroe). Estas são, indubitavelmente, as maiores diferenças entre os retratos expostos e, consequentemente, de seus movimentos artísticos nos quais estão situados.
Gostaria de voltar em Jameson para finalizar com uma relação entre o pós-modernismo e o modo de produção capitalista. Primeiro, não se trata somente de de um estilo ou ideologia; o pós-modernismo diz respeito a uma nova história real do capitalismo e da cultura contemporânea, cujo cerne da questão está na relação entre mercado e cultura, ou cultura e economia capitalista. Mas isto não representa a ruptura de um momento do capitalismo; marca uma continuidade em que o capital se aprofunda para áreas que até então, na modernidade, se mantinham preservadas. No entanto, o pós-modernismo não acarretou o fim de outras tendências. Ele é uma dominante cultural dentro de um universo onde coexistem outras formas culturais da modernidade. Por isso, o princípio axial de Jameson, o eixo de sua reflexão, está no reconhecimento de que houve uma mudança de significado e na função social da cultura no pós-modernismo, que seria a relação das produções culturais mercantilizadas/mercantilização da cultura.

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